Valor Econômico
Telmo Giolito Porto*
foto - ilustração |
Neste mesmo Valor recentemente foram publicados dois textos que tratam do assunto do ponto de vista jurídico. É alvissareiro termos escritórios de advocacia empenhamos em contribuir para assunto relevante, para o país e para seus clientes.
No entanto, parece-nos que caberia rever o tema do ponto de vista operacional.
O modelo, objeto do decreto 8.129/2013 e já aprovado pelo TCU, divide a operação ferroviária em dois "hemisférios": de um lado, o concessionário da via, responsável pela construção, reforma, ampliação e manutenção da via permanente e infraestrutura (trilhos, dormentes, lastro, subleito, drenagem, pontes, viadutos, passagens de nível etc.), pela implantação da sinalização e pela operação do CCO-Centro de Controle Operacional. Outras atividades necessárias também deverão ser responsabilidade do mesmo concessionário, entre elas: socorro de comboios avariados e liberação da via, reparos mecânicos urgentes ou de menor porte, homologação de equipamentos e equipagem. De outro lado, diversos operadores logísticos. Entre um "hemisfério" e outro, uma empresa sob controle público adquire da concessionária a capacidade de transporte da via (ou seja, os intervalos de passagem dos trens) e os leiloa entre as operadoras interessadas.
Tal modelo nada tem de extravagante, sistemática semelhante já é utilizada em outros países, por exemplo, na Espanha. Em relação ao modelo atual, em que a mesma concessionária detém via e material rodante, a vantagem é evitar o conflito de interesses entre oferta de transporte e domínio da via, com reflexo na redução dos fretes, em função de maior competitividade e desvinculação dos fluxos nacionais do interesse empresarial das concessionárias. Não deixa, outrossim, de ter semelhança com o modelo rodoviário, em que um concessionário é responsável pelas pistas e numerosos proprietários pelos veículos.
Várias preocupações têm sido levantadas a respeito, entre elas: o erário terá prejuízo na compra da capacidade das vias, em função da ociosidade de trechos; a empresa estatal não terá capacidade financeira ou gerencial para exercer seu papel e, finalmente, a dificuldade de convivência dos dois modelos de concessão.
O novo modelo não será implantado ao mesmo tempo em toda a malha presente e futura. A questão do custo da ociosidade pode ser mitigada pela priorização de trechos mais atrativos, cuja exploração permitirá suportar o período inicial de trechos menos demandados. Ainda mais, dentro de cada trecho concedido haverá segmentos com maior e menor procura, de modo que a curva de crescimento da demanda de segmentos secundários pode ser suportada pelos demais.
Imaginar que o Brasil não consiga garantir financeiramente o modelo ou não tenha técnicos capazes de implantá-lo é subestimar nossos recursos. Os valores envolvidos são percentualmente pouco relevantes em termos do Orçamento Nacional. E tem mais: já está em estudo a estruturação de garantia por meio de títulos do Tesouro Nacional, no total de R$ 15 bilhões, custodiados por instituições financeiras como agentes fiduciários e acessíveis aos concessionários diretamente.
O governo federal possui, na administração direta, em suas autarquias e empresas, pessoal capaz, experiente ou jovens recentemente recrutados de boas escolas e com programas de treinamento. O Brasil pode prorizar o que quiser. Na Contabilidade Social, os ganhos da mudança do modelo ferroviário, em termos de aumento da renda nacional, superam seus custos. Compute-se a redução do frete multiplicada pelo volume de exportação de nossas commodities. O desafio do Brasil é o desafio da produtividade e da competitividade internacional.
Finalmente, pergunta-se: o que impede a convivência dos dois modelos de concessão até que as atuais concessões expirem? No setor de saneamento, igualmente crítico para o país, são vários os casos de contratos cuja implantação ocorre em partes, à medida que concessões parciais anteriores terminam. No limite, a indenização do prazo restante das antigas concessionárias poderia ser obrigação das novas. Contudo, tal extremo não parece necessário. Cabe à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) atuar como agência e normatizar a relação entre novas e antigas concessionárias, de modo a compatibilizar fluxos nos pátios de contato. Pelo que sabemos, a ANTT já trilha este caminho.
Os recentes sucessos na concessão de rodovias, com expressivos descontos em relação à tarifa-teto, demonstram que existe espaço para a redução dos custos e o aumento da oferta de transporte no Brasil.
O simples andar para a frente exige desequilibrar-se, apoiar-se em um só pé. O título deste texto exemplifica que, sem ousadia e determinação, não se cria um novo melhor. Já houve tempo, no final do século XIX, em que se disse que o aumento da velocidade dos trens impediria os passageiros de respirarem. Impor ao futuro condicionantes do presente não ajuda a ferrovia, nem o Brasil.
*Telmo Giolito Porto é professor-doutor da Escola Politécnica da USP.
Fonte - Revista Ferroviária 20/01/2014
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