É atribuída ao Mahatma Gandhi uma resposta irônica ao jornalista que o questionou sobre a Civilização Ocidental. Gandhi disparou: “Teria sido uma boa ideia”. O século XX testemunhou a dura peregrinação da “boa ideia”, sempre atormentada pela tensão permanente entre os desejos despóticos da concupiscência capitalista e os anseios da autonomia do indivíduo.
Luiz Gonzaga Belluzzo - Portogente
Luiz Gonzaga Belluzzo |
Os críticos reconhecem que a sociedade burguesa engendrou formas de sociabilidade que descortinam a possibilidade – somente a possibilidade – de libertar a vida humana e suas necessidades das limitações impostas pela natureza e pela submissão pessoal. A indústria moderna, essa formidável máquina de transformação das atividades e necessidades humanas, oferece aos homens e às mulheres a “realidade possível” da satisfação dos carecimentos e da libertação de todas as opressões pelo outro.
Para muitos, no atual estágio de seu desenvolvimento contraditório, o capitalismo estaria prestes a realizar a utopia de trabalhar menos para viver mais. Os avanços da microeletrônica, da informática, da automação dos processos industriais já permitem vislumbrar, dizem os otimistas, a libertação das fadigas de que padecemos em nome de uma ética do trabalho que só engorda os cabedais dos que nos dominam.
Desgraçadamente, os albores do século XXI presenciam as investidas do lado negro da força: o aprisionamento da política democrática nas masmorras do verdadeiro poder. Poder concentrado nas engrenagens complexas da Grande Corporação Transnacional governada pela mão de ferro do capital financeiro globalizado. Hoje, a centralização do controle em grandes blocos de capital nas cadeias globais delimita o território ocupado pelas opções da política democrática.
Já no século XIX, um agudo estudioso da economia de mercado observou: no afã de acumular riqueza sem limites, o capitalismo exige a aceleração do tempo e a desconsideração do espaço. O conto de fadas da globalização acenava com o fim da história: as questões essenciais relativas às formas de convivência e ao regime de produção em escala mundial estariam resolvidas com a generalização da democracia liberal e da economia de mercado.
Não haveria mais sentido na discussão de questões anacrônicas, como as da pertinência cívica, laica e republicana, sentimento desenvolvido a partir do nascimento do Estado-Nação. O encantamento com as delícias da globalização sucumbiu ao desencanto com a aceleração do tempo e sua obra de destruição do hábitat humano, o espaço jurídico-político em que tentam sobreviver mulheres e homens de carne e osso.
Empenhados na negação das deformações do espaço induzidas pela aceleração do tempo, os economistas do establishment refugiam-se na farsa das abstrações imobilizadoras, como o homem econômico racional, o agente representativo, personagens centrais dos modelos pseudodinâmicos de equilíbrio geral.
Com tais expedientes ridículos, ocultam a natureza das transformações em curso na geoeconomia global e perseguem a desqualificação mesquinha e indigente dos critérios da ação política racional e democrática.
Descartes foi generoso no Discurso do Método quando imaginou imprudentemente que ninguém aspira a mais bom senso do que possui. O cogito não foi capaz de vislumbrar que de suas entranhas fosse expelida, no fim do século XX, a Economics, este monstrum vel prodigium da metafísica ocidental.
Na versão tecnoeconocrática, a dialética iluminista do universal e do particular torna-se sofisticadamente cruel. Sua especialidade é o jogo do ilusionismo em que as subjetividades são imobilizadas nos Mitos da Razão e se transfiguram em meros instrumentos de processos que não controlam. A Miséria da Economia comprova: o mau universalismo gera o péssimo particularismo como a banda podre de si mesmo. O indivíduo projetado pelo Iluminismo está a perecer sob o tacão da economia científica.
*Luiz Gonzaga Belluzzo é economista, professor, consultor editorial da revista Carta Capital
Fonte - Portogente 08/12/2017
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