As chuvas de janeiro e fevereiro vieram com intensidade atípica em 2020 na região sudeste. Em Minas Gerais, centenas de cidades em estado de emergência e pelo menos 60 mortes. Em São Paulo, 7 mortes e milhares de desabrigados. No Rio de Janeiro, deslizamentos e prejuízo de milhões de reais.Cientistas de diversos centros de referência no Brasil, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) têm apontado que as chuvas tendem a piorar na região mais rica e mais populosa do Brasil ao longo dos próximos anos.
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foto - ilustração/Pregopontocom |
As chuvas de janeiro e fevereiro vieram com intensidade atípica em 2020 na região sudeste. Em Minas Gerais, centenas de cidades em estado de emergência e pelo menos 60 mortes. Em São Paulo, 7 mortes e milhares de desabrigados. No Rio de Janeiro, deslizamentos e prejuízo de milhões de reais. No Espírito Santo, centenas de desalojados e pelo menos 7 mortes.
Cientistas de diversos centros de referência no Brasil, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) têm apontado que as chuvas tendem a piorar na região mais rica e mais populosa do Brasil ao longo dos próximos anos.
A urbanização desordenada, a desigualdade social e as oscilações do clima são fatores que podem agravar ainda mais os efeitos das mudanças previstas pelos cientistas devido ao aquecimento global.
A Sputnik Brasil entrevistou um engenheiro civil, um meteorologista e um sociólogo para discutir soluções e entender o que esperar do futuro em um cenário de agravamento do padrão de chuvas na região.
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'A inundação não é um problema do futuro, é um problema do passado'"As chuvaradas de verão, quase todos os anos, causam no nosso Rio de Janeiro, inundações desastrosas". A frase que parece contemporânea é do escritor Lima Barreto, e abre um texto de 1915 chamado "As Enchentes", em que o autor descreve ao antigo jornal Correio da Noite sua insatisfação com a falta de ação do poder público diante das inundações.
Marcelo Miguez, engenheiro civil especialista em Recursos Hídricos da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica à Sputnik Brasil que as enchentes na região são um problema urbanístico centenário.
"O processo de crescimento urbano não foi adequadamente controlado, ou mesmo adequadamente planejado. E a gente sofre as consequências da ocupação do território de uma forma que extrapolou as capacidades desse próprio território de receber as cidades de uma forma saudável", afirma Miguez em entrevista à Sputnik Brasil.
As soluções para o problema são complexas e lidam com mudanças de larga escala. Entre elas, o professor cita a melhora da capacidade de drenagem das cidades, que suprimem a drenagem natural dos locais transformados em áreas urbanas.
"Como faço para recuperar essas características hidrológicas que o próprio processo de urbanização tende a suprimir? Eu preciso preservar as áreas verdes remanescentes, se possível criar novas áreas verdes, e preciso associar volumes de armazenamento temporários de água nestes locais para que eu possa direcionar os alagamentos para essas áreas controladas", aponta.
Além disso, "medidas de pequena escala" podem ajudar a aliviar o problema, como reservatórios captando água em telhados, pavimentos permeáveis substituindo o asfalto que não absorve água, telhados verdes e também reservatórios acoplados a sarjetas e calçadas.
Porém, Miguez alerta que mesmo essas medidas não resolvem o problema e uma solução permanente só pode vir a longo prazo, através de medidas que permaneçam ao longo de vários governos.
"Eu diria que é um conjunto abrangente de ações de largo espectro, de larga escala espacial, e também de larga escala temporal. Isso precisa ser transformado em planos de longo prazo que perpassam governos e se transformam em políticas de Estado", aponta.
"Não é no curto prazo que a gente vai ter uma reversão eficiente desse processo, que na verdade é um processo que vem acontecendo há décadas, ou séculos. A cidade do Rio de Janeiro tem registros de alagamento que remontam ao século XVIII", diz.
Diante da iminência de mudanças climáticas, o professor alerta que uma política efetiva para as enchentes torna-se mais urgente. Porém, Miguez avalia que é a falta de planejamento urbano a principal responsável pelos efeitos negativos nas cidades.
"Se a gente coloca o peso daquilo que a gente está vendo hoje nas mudanças climáticas, a gente está se eximindo de uma responsabilidade que é histórica e que recai nessa falta de preparo, nessa falta de ação, nessa falta de políticas de longo prazo, que afeta as cidades já hoje. A inundação não é um problema do futuro, é um problema do passado".
'Tentaram domesticar a água como se fosse uma fera'
Marcelo Miguez, engenheiro civil especialista em Recursos Hídricos da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica à Sputnik Brasil que as enchentes na região são um problema urbanístico centenário.
"O processo de crescimento urbano não foi adequadamente controlado, ou mesmo adequadamente planejado. E a gente sofre as consequências da ocupação do território de uma forma que extrapolou as capacidades desse próprio território de receber as cidades de uma forma saudável", afirma Miguez em entrevista à Sputnik Brasil.
As soluções para o problema são complexas e lidam com mudanças de larga escala. Entre elas, o professor cita a melhora da capacidade de drenagem das cidades, que suprimem a drenagem natural dos locais transformados em áreas urbanas.
"Como faço para recuperar essas características hidrológicas que o próprio processo de urbanização tende a suprimir? Eu preciso preservar as áreas verdes remanescentes, se possível criar novas áreas verdes, e preciso associar volumes de armazenamento temporários de água nestes locais para que eu possa direcionar os alagamentos para essas áreas controladas", aponta.
Além disso, "medidas de pequena escala" podem ajudar a aliviar o problema, como reservatórios captando água em telhados, pavimentos permeáveis substituindo o asfalto que não absorve água, telhados verdes e também reservatórios acoplados a sarjetas e calçadas.
Porém, Miguez alerta que mesmo essas medidas não resolvem o problema e uma solução permanente só pode vir a longo prazo, através de medidas que permaneçam ao longo de vários governos.
"Eu diria que é um conjunto abrangente de ações de largo espectro, de larga escala espacial, e também de larga escala temporal. Isso precisa ser transformado em planos de longo prazo que perpassam governos e se transformam em políticas de Estado", aponta.
"Não é no curto prazo que a gente vai ter uma reversão eficiente desse processo, que na verdade é um processo que vem acontecendo há décadas, ou séculos. A cidade do Rio de Janeiro tem registros de alagamento que remontam ao século XVIII", diz.
Diante da iminência de mudanças climáticas, o professor alerta que uma política efetiva para as enchentes torna-se mais urgente. Porém, Miguez avalia que é a falta de planejamento urbano a principal responsável pelos efeitos negativos nas cidades.
"Se a gente coloca o peso daquilo que a gente está vendo hoje nas mudanças climáticas, a gente está se eximindo de uma responsabilidade que é histórica e que recai nessa falta de preparo, nessa falta de ação, nessa falta de políticas de longo prazo, que afeta as cidades já hoje. A inundação não é um problema do futuro, é um problema do passado".
'Tentaram domesticar a água como se fosse uma fera'
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"Mesmo se a gente não considerasse esse efeito da mudança climática, o clima em si naturalmente tem suas oscilações, suas variações", aponta Dolif em entrevista à Sputnik Brasil.
O pesquisador remonta a eventos de chuvas intensas na virada das duas últimas décadas na região para explicitar tais oscilações, explicando a presença de uma variação climática na região.
"Se a gente considerar além disso que o nosso planeta está aquecendo, então a gente introduz um componente a mais aí, um ingrediente a mais nessa mistura explosiva", alerta.
Dolif detalha o processo explicando que o aquecimento dos oceanos desloca a umidade na atmosfera e pode ampliar a intensidade das chuva, como o que está ocorrendo neste ano. O pesquisador, no entanto, esclarece que isso não é um processo linear.
"Olhar o aquecimento global e atribuir a ele uma certa contribuição nessa chuva, não significa que a cada ano a gente vai ter mais chuva. É um processo não linear que oscila bastante", salienta o pesquisador citando os períodos de seca vividos no sudeste ao longo da última década.
O meteorologista do CEMADEN explica ainda que os efeitos de mudanças climáticas não devem significar apenas aumento na intensidade das chuvas, mas também a falta de precipitação.
"O processo de aquecimento do planeta] promove não só aumento nos extremos por conta de excesso de chuva, mas também pela falta de chuva. Quando você em algum lugar promove muita chuva, você tem mais umidade, esse processo se retroalimenta e gera mais chuva naquela área. Mas quando você converge a umidade para uma certa região você tira ela de outra região", explica.
Dolif dá exemplos e afirma que ao mesmo tempo em que há excesso de chuvas no sudeste neste ano, há também menos chuvas na região sul, e em parte da Amazônia.
"Quando você desequilibra a atmosfera para um lado, para o excesso de chuvas em algumas áreas, você desequilibra pela falta de chuva do outro lado", aponta, citando um recente período de seca no Nordeste, entre 2012 e 2017, o maior da história brasileira.
O pesquisador alerta para a imprevisibilidade dos eventos extremos no clima ao longo dos próximos anos.
"O século XXI vai ter muito provavelmente um número de extremos maior do que o número de extremos de chuva que teve o século anterior. Só que isso acontece não de forma linear, aumentando de pouquinho em pouquinho", diz.
Para o meteorologista, o preparo para esse cenário passa por um processo de educação para que a população possa cobrar o poder público as medidas adequadas.
"As cidades ao longo de muito tempo trataram a água como inimiga, tentaram até domesticar a água como se fosse uma fera, colocando ela em galerias, cobrindo com avenidas", discorre.
A capital paulista é um exemplo disso e tem rios cobertos em algumas de suas principais avenidas, o caso da Av. 23 de maio e também da Av. IX de julho.
Para o cientista, uma mudança nessa postura pode fazer a diferença no planejamento urbano em relação às chuvas.
"A gente não tem a expectativa de a cada ano chova mais, não é assim que acontece, mas de que nas próximas décadas a gente tenha vários eventos de chuva extrema nas cidades. Então a gente precisa se adaptar, a gente precisa modificar a nossa maneira de olhar para a água, olhar para ela como amiga, usar ela, aproveitar ela e não aprisionar ela, cercar ela, ignorando a existência dela. A gente tem que lidar de forma mais harmoniosa com a natureza", conclui.
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O desastre é uma produção socialO desastre causado pelas chuvas não deve ser visto como "natural" e sim "social", uma vez que é o desespero das pessoas que choca e mobiliza. Essa a visão de Victor Marchezini, sociólogo e pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN).
O sociólogo aponta que para além de medidas estruturais, como a melhoria da drenagem urbana, o provimento de moradias em locais seguros e obras de estabilização de encostas, há ações de outro caráter para ajudar a evitar problemas.
"Além dessas medidas estruturais, existem aquelas de caráter não estrutural, em que estão inseridos sistemas de alerta, as políticas educativas para preparar pessoas, estratégias de comunicação de riscos, formação de recursos humanos nesse tema de gestão de riscos", explica o sociólogo, acrescentando ainda a necessidade de um ordenamento imobiliário que não beneficie apenas uma classe social.
Marchezini aponta que as diferenças sociais fazem com que pessoas mais pobres sejam mais atingidas pelos efeitos da chuva.
"No Brasil, o desastre é justamente social porque, em virtude dos interesses do mercado de terras, as pessoas mais pobres são empurradas para locais com menor interesse de ocupação, onde geralmente são as encostas. [...] O nosso risco de desastre é resultado dessa produção social", avalia.
O sociólogo também aponta que a criação dessas zonas de risco não é só consequência da ação do mercado, mas também da ação de deslocamento de famílias pelo Estado.
"No Brasil, a gente presencia muitas vezes até comunidades que residiam em locais considerados seguros, mas elas são deslocadas desses lugares por outros projetos de desenvolvimento - o chamado progresso - que acabam expulsando elas. Isso é comum quando a gente vê obras de duplicação de rodovias, ou de instalação de empreendimentos hidrelétricos, barragens que acabam desalojando várias pessoas", explica.
Para ele, a disputa social que permeia o deslocamento das pessoas em busca de melhores condições de vida dentro das cidades é a verdadeira razão do que chama de "desastre social" durante eventos climáticos.
"Essa luta por um território, por um espaço, está na raiz dos desastres”, conclui.
O sociólogo aponta que para além de medidas estruturais, como a melhoria da drenagem urbana, o provimento de moradias em locais seguros e obras de estabilização de encostas, há ações de outro caráter para ajudar a evitar problemas.
"Além dessas medidas estruturais, existem aquelas de caráter não estrutural, em que estão inseridos sistemas de alerta, as políticas educativas para preparar pessoas, estratégias de comunicação de riscos, formação de recursos humanos nesse tema de gestão de riscos", explica o sociólogo, acrescentando ainda a necessidade de um ordenamento imobiliário que não beneficie apenas uma classe social.
Marchezini aponta que as diferenças sociais fazem com que pessoas mais pobres sejam mais atingidas pelos efeitos da chuva.
"No Brasil, o desastre é justamente social porque, em virtude dos interesses do mercado de terras, as pessoas mais pobres são empurradas para locais com menor interesse de ocupação, onde geralmente são as encostas. [...] O nosso risco de desastre é resultado dessa produção social", avalia.
O sociólogo também aponta que a criação dessas zonas de risco não é só consequência da ação do mercado, mas também da ação de deslocamento de famílias pelo Estado.
"No Brasil, a gente presencia muitas vezes até comunidades que residiam em locais considerados seguros, mas elas são deslocadas desses lugares por outros projetos de desenvolvimento - o chamado progresso - que acabam expulsando elas. Isso é comum quando a gente vê obras de duplicação de rodovias, ou de instalação de empreendimentos hidrelétricos, barragens que acabam desalojando várias pessoas", explica.
Para ele, a disputa social que permeia o deslocamento das pessoas em busca de melhores condições de vida dentro das cidades é a verdadeira razão do que chama de "desastre social" durante eventos climáticos.
"Essa luta por um território, por um espaço, está na raiz dos desastres”, conclui.
Fonte - Sputnik 14/02/2020
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