Os trens chegavam às estações nas diversas cidades, nos horários estabelecidos e as cargas e encomendas eram transferidas para os armazéns existentes ao lado das plataformas de embarque/desembarque de passageiros.O transporte porta-a-porta se consolidou em contraposição à modalidade "retira" que foi dominante no período do transporte ferroviário (praticamente toda a primeira metade do século XX e ainda parte dos anos 60).
Paulo Westmann - Intelog
foto - ilustração/arquivo |
O transporte porta-a-porta se consolidou em contraposição à modalidade "retira" que foi dominante no período do transporte ferroviário (praticamente toda a primeira metade do século XX e ainda parte dos anos 60).
Os trens chegavam às estações nas diversas cidades, nos horários estabelecidos e as cargas e encomendas eram transferidas para os armazéns existentes ao lado das plataformas de embarque/desembarque de passageiros.
Ao logo do dia e, nos horários mais convenientes, os destinatários retiravam as mercadorias e as levavam para os seus destinos finais, abastecendo o comércio a indústria disponibilizando praticamente tudo o que as cidades e suas populações precisavam.
O crescimento da indústria automobilística e a ampliação e modernização da malha viária proporcionaram o transporte rodoviário (cargas e passageiros) tornando-o a opção mais vantajosa.
No Brasil os modais ferroviário e rodoviário entraram em competição disputando a eficiência das entregas com prazos e custos.
O ferroviário, mais lento e menos competitivo, entrou em colapso que desembocou num acumulo sucessivo de prejuízos e déficits incontroláveis abrindo as portas para o processo de concessões para grupos privados a partir de 1996.
As concessões decretaram o fim do transporte de passageiros em linhas de média e longa distância e esses trens (que sempre tiveram vagões para carga geral) simplesmente sumiram.
Centenas de cidades nos estados brasileiros abandonaram as suas estações ferroviárias e os armazéns adjacentes se transformaram em escombros e zonas deterioradas.
Com o advento do transporte rodoviário as cidades se adaptaram em conviver com os ônibus e caminhões e praticamente tudo o que o trem fazia passou a ser feito sob pneus.
Nesses vinte e tantos anos de concessões o trem se transformou num modal para o transporte heavy haul (grandes volumes de mercadorias e produtos em trens de alta tecnologia para commodities destinadas principalmente à exportação) .
Os trilhos que serpenteavam as cidades foram desativados, assim como as sua infraestrutura.
Entretanto, a exaustão desse modelo de interligar todas as cidades do País através de veículos automotores já dá sinais de estar ocorrendo.
Chegar ao centro do Rio de Janeiro ou de São Paulo, ou de Belo Horizonte, para ficar apenas nos casos mais conhecidos não é tarefa das mais fáceis.
Além das dificuldades de trânsito congestionado, o crescimento dos roubos de carga se converteram num pesadelo inimaginável.
Trânsito lento e congestionado e veículos entalados nesses engarrafamentos são vítimas indefesas dos bandidos.
As transportadoras comerciais ajustaram as suas viagens de maneira a dificultar as ações por esses motivos, mas a própria natureza do caminhão e de sua versatilidade facilita que se cometam os crimes utilizando o próprio caminhão para levar o material roubado aos locais de maior segurança para a desova e partilha dos roubos.
Os ladrões evoluíram muito e dispõem de tecnologia para bloquear os sinais dos alarmes (Jamer é um desses aparelhos capazes de neutralizar tais alarmes) e aprimoraram e refinaram os crimes de forma a enquadra-los "tão somente" como crimes contra o patrimônio de menor gravidade que os de assalto a mão armada com o sequestro de pessoas (no caso motoristas e ajudantes).
A rapidez com que se cometem os crimes e se comercializam o seus produtos tornou o roubo de carga um negócio atrativo e de grandes margens de lucro para as quadrilhas especializadas.
A impunidade se encarregou de conferir a esse tipo de ação, numa modalidade "interessante" para os criminosos, para se dizer o mínimo.
A leitura dos jornais indica que cada etapa do processo está estrategicamente segmentada.
Assim, existem especialistas em selecionar o tipo de mercadoria que tem viabilidade de ser roubada; as abordagens e interceptação dos veículos; o bloqueio dos alarmes eletrônicos realizadas cirurgicamente e as descargas, rápidas e seguras... e por aí vai.
Essa especialização conta com a cobertura de "empresários" que se incumbem da comercialização dos produtos através de documentação "falsa" mas que dá a aparência legal para todo o processo. Conta com autoridades de diversos poderes que atuam de forma conivente beneficiando-se da partilha dos lucros obtidos.
O transporte de passageiros e de carga geral nos trens sempre foi parte do transporte e opção simples e confiável para esse tipo de operação. Os trens mistos transportavam a carga geral e a correspondência existindo, na maior parte das vezes, o vagão do "correio".
As concessões das ferrovias escantearam tanto os passageiros quanto as cargas. E o transporte de minérios, grãos, petróleo, açúcar e cargas massivas e homogêneas ocuparam totalmente a capacidade das ferrovias de forma que nunca mais foram lembrados.
As concessões ferroviárias, da forma em que foram feitas, não levam em conta diversas questões inerentes ao trem, como a segurança proporcionada por essa modalidade de transporte.
Os roubos em ferrovias também existiam, mas numa proporção bem pequena se comprado ao que se verifica nas estatísticas atuais.
Uma conta rápida mostra que os roubos de cargas subtraem valores significativos do transporte e do comércio e da economia como um todo.
Esses valores gastos em seguros, tecnologia eletrônica embarcada nos veículos, reforço de vigilância armada poderiam ser utilizados para "financiar" parte do transporte ferroviário de carga geral que é menos suscetível de roubos e que pode ser melhor protegido por sistemas de contêineres de aço em vagões projetados com essas especificações.
Mais: os trens chegam ao centro das grandes cidades e (no Brasil e no mundo) dali podem, com menores riscos e custos, chegar aos seus destinos ou até serem retirados por seus destinatários em pequenos embarques.
Será inevitável que essas questões sejam estudadas por ocasião da renovação dos contratos de concessão ferroviária.
Diferentemente dos transporte de passageiros a carga geral poderia ser transferida com prioridade entre localidades de média e longa distância e redespachada para o destino final a partir de polos regionais de onde partiriam para os destinos finais através de caminhões.
Se os empresários do transporte rodoviário fossem estimulados e incentivados a participar desses processos certamente apresentariam contribuições valiosas sobre a forma de viabilizar isso.
O transporte de carga geral sobre trilhos não poderá ser simplesmente retomado assumindo as mesmas premissas existentes à época em que a ferrovia foi abandonada.
Entretanto, o modal rodoviário assimilou as tecnologias surgidas nesses últimos tempos e não teria dificuldade em aplica-las ao transporte ferroviário de cargas.
Dentre as considerações e questionamentos em discussão na renovação dos contratos de concessão ferroviária está a devolução de milhares de quilômetros de trilhos que não interessam às ferrovias que operam heavy haul.
O mundo já se encarregou de "experimentar "esse cenário de ferrovias envelhecidas, sem manutenção e deficitárias. Há 20 anos nos Estados Unidos e talvez por essa mesma época na Europa e dai surgiram as Short Lines, que, totalizam mais de 2 mil empreendimentos privados na operação de ferrovias e que assumiram ramais, pequenas linhas e em alguns casos até malhas inteiras e as transformaram em negócios viáveis e lucrativos.
Nem sempre o poder público e as grandes organizações conseguem dar eficiência a negócios que funcionam melhor com estruturas mínimas, compartilhamento de material rodante, processos inovadores e criativos capazes de arrancar "leite das pedras", ou seja: podem voltar a operar adequando-se às demandas cuidadosamente analisadas.
Nos jornais da última semana aparecem notícias de que a Rumo estaria oferecendo a Malha Sul das suas ferrovias para os chineses... mas só depois de resolver a "Malha Paulista" (a verdadeira Joia da coroa).
Vale a pena refletir: se isso pode ser bom para os chineses porque não seria bom para os empreendedores do Brasil?
A carga geral não poderá ser deixada fora dos trilhos seja por questões de economia, de política ou apenas porque não existem mais opções viáveis para o seu transporte, de forma "combo" (palavra da moda) custo X segurança X prazos com o rodoviário sobre pneus.
Manter as cidades abastecidas pode ser mais do que simplesmente um raciocínio aritmético.
Fonte - Abifer 31/07/2017
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