Política
A juíza Marielza Brandão presidente da Amab,falou com A TARDE e bateu de frente com decisões do presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Eserval Rocha.
Regina Bochicchio - A Tarde
Marielza Brandão, Presidente da Amab Marco Aurélio Martins | Ag. A TARDE |
A senhora tem criticado a atual gestão do TJ. Qual é o principal gargalo hoje?
O Tribunal de Justiça (TJ-Ba) não dá prioridade à alocação de recursos para o 1º grau. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determina que os tribunais aloquem os recursos de acordo com a demanda do judiciário. Quanto maior o número de processos, maior o número de recursos. Hoje tramitam na Bahia mais de 4 milhões de processos. Só na justiça comum tramitam 3 milhões de processos; nos juizados em torno de 515 mil. E no 2º grau (TJ-Ba) apenas 44 mil. Isso significa que a carga de processos para o juiz é em torno de 9 mil processos. Na Bahia o cenário é de sucateamento da estrutura do Judiciário. O que acontece hoje: 10 anos sem concurso para servidores e uma defasagem em torno de 10 mil servidores. Outro problema é que hoje o juiz convive com quatro sistemas de informática para Juizado e comarcas, incompatíveis entre si. Então, imagine, um número grande processos, sem pessoal e com sistemas lentos e incompatíveis. O juiz perde produtividade.
O que diz o presidente do TJ (Eserval Rocha) sobre a situação?
Logo no início da gestão nós aplaudimos as diversas medidas moralizadoras que ele tomou. Mas o que nós temos percebido: que está demorando muito de ele revisar os contratos que ele diz que houve irregularidades. Por exemplo: num dos sistemas de informática, o E-saj, ele cancelou o contrato dizendo que existiam irregularidades. Mas ele não contratou um suporte para que esse sistema funcionasse com eficiência. Então, isso está prejudicando o trabalho do juiz. Para você ter uma ideia, ano passado, nas varas cíveis, mais ou menos a média era de 83 sentenças proferidas por juiz ao mês, de mérito. No primeiro semestre desse ano, a produtividade baixou pela metade. Por conta do sistema, da falta de assessores de juízes, falta de estagiários. O contrato dos estagiários foram suspensos desde janeiro e só agora, 17 de agosto, vai ser feita a seleção. Fizemos um levantamento e houve prejuízo de 50% nos julgamentos.
Então os juízes desaprovam medidas de Eserval?
Algumas sim. A primeira delas é em relação a criar estrutura (Câmaras) para 2º grau nesse momento que a gente atravessa uma crise sem precedentes. Nós entendemos que, se temos mais de 4 milhões de processos no 1º grau e só 44 mil no 2º, não é concebível, num momento de crise, que se criem Câmaras de 2º grau. E que se extingam 34 Varas de substituição na capital para criar mesmo número no 2º grau com o número de processo que eu citei. Isso não se justifica. Veja o exemplo dos estagiários para o 1º grau: ele deveria deixar os contratos em vigor e, depois que ele fizesse a seleção, ele romperia esses contratos. De 2 mil estagiários, a gente tem menos de 600. O presidente é bem-intencionado, mas as medidas saneadoras estão sendo muito lentas. Em nome de fazer com que haja uma moralidade no Poder Judiciário ele não está conseguindo fazer com que essa máquina funcione. E essa máquina é um serviço essencial, não pode parar. Nós já estamos com quase oito meses da gestão dele e o que nós estamos vendo é o agravamento cada vez da prestação jurisdicional, está se tornando cada vez mais precária. Um exemplo: hoje temos uma demanda de mais de mil computadores que nós não temos no estoque. Porque a licitação não foi feita, ele entendeu que a licitação dos computadores era bastante alta e não contratou os computadores. Se nessa licitação tinham valores que não eram adequados, ele refizesse, com mais rapidez. Falta agilidade, falta que a máquina administrativa funcione.
Na matéria ética, o presidente tira nota 10 e, na matéria administração, nota zero?
... É.... (risos) acredito que é mais ou menos por aí.
Há transparência na gestão de recursos no TJ?
Não, não há. A gente quer saber o resultado da auditoria que foi contratada para sanear a Justiça. É preciso que a gente tenha conhecimento. O magistrado tem o direito de saber porque hoje o Judiciário baiano está nessa situação de penúria. Falta o presidente entregar o relatório dessa auditoria para que a gente tenha conhecimento sobre o que está acontecendo. Ele tem dito que está fazendo auditorias externas. Mas o relatório da auditoria que estava para sair em junho ainda não foi disponibilizado ... Queremos saber que medidas ele vai tomar para melhorar a estrutura do trabalho de juízes 1º grau. Nós não queremos mais ser responsabilizados pela morosidade do Judiciário. Hoje a sociedade pensa que o juiz trabalha pouco. A verdade é que o juiz tem uma carga de trabalho sobre-humana.
Quanto ganha um juiz?
O salário bruto de um juiz em início de carreira é de cerca de R$ 18 mil. Mas quase 40% vai em encargos. Você veja que não é um salário para o nível de exigência que o magistrado tem. Porque o magistrado não pode ser mais nada, ele não pode exercer o magistério numa faculdade, não pode ter empresa, não pode fazer nenhum outro tipo de atividade. Todas as outras carreiras jurídicas podem. Estudo recente do CNJ mostra que em torno de 70% dos juízes está fora de sua carga de trabalho em mais de 10 horas.
Mas juízes não têm seus privilégios?
Nenhum. É mais fácil encontrar um servidor do Tribunal com privilégios do que um magistrado. Um magistrado vive hoje com subsídio, que é nacional, não pode ter diferença de um estado para outro. Nós não temos carro com motorista, não temos auxílio-moradia, não recebemos substituição para acumular duas ou três varas... O juiz hoje pega fila, paga suas contas, não tem secretária, nada disso.
E os desembargadores têm privilégios?
Os desembargadores têm carro com motorista, gabinete com 10 assessores - inclusive podendo nomear assessores fora do quadro. O quadro de servidores dos gabinetes são todos cargos comissionados e que têm gratificações ..., mas eu não posso dizer que isso seja privilégio, porque isso poderia ser adotado para o 1º grau. O que o magistrado de 1º grau quer é ter o mesmo tratamento de acordo com a carga de trabalho que tenha. Se o 2º grau tem uma carga de trabalho x, o 1º grau que tem uma carga de trabalho x+ y, que tenha uma estrutura de trabalho suficiente para que possa julgar aquela quantidade de processos que está sob sua responsabilidade.
Então a senhora não acha exagero os desembargadores terem esses cargos?
Eu acho ... que é necessário que o tribunal estruture e aloque recurso de acordo com a demanda judicial. O que eu digo tem relação com a quantidade de trabalho. É necessário que se façam estudos para ver a estrutura de gabinete e a quantidade de processos, se há compatibilidade.
Já se falou muito sobre super-salários e outras benesses no TJ. O que os juízes pensam sobre isso?
O que nós achamos - e por isso concordamos com auditoria externa - é que o tribunal deve identificar se realmente há super-salários, por que existem e se esses super-salários são regulares ou irregulares, por que se chegou a essa situação. Por um simples motivo: nós somos a terceira maior arrecadação (na Justiça) do Brasil, temos 10 mil servidores de defasagem, então, por que o índice prudencial (de gastos com pessoal) do Tribunal de Justiça continua alto? Na Bahia o juiz não recebe por substituição, não tem auxílio-moradia, gratificação por administração do Forum. E falta segurança. Magistrados têm sido ameaçados. Recentemente tivemos uma situação muito grave em Formosa do Rio Preto, onde o juiz teve a casa alvejada por seis tiros. Ontem (07/08) tivemos um problema seriíssimo de segurança no Fórum de Sussuarana. Um juiz, fazendo audiência criminal, verificou que o réu estava solto e havia vindo para a audiência criminal com mandato de prisão expedido e deu voz de prisão a ele. Ele se evadiu do local, houve tiroteio e terminou escapando. A situação de precariedade de segurança é grande. Juízes ameaçados, fóruns incendiados, fóruns arrombados...
Vira e mexe vêm à público histórias de corrupção de juízes. A ex-ministra Eliana Calmon (hoje candidata ao Senado) chegou a afirmar que há entre magistrados "bandidos de toga"...
Quando eu assumi a presidência da Amab, no discurso de posse, eu falei assim: 'Olhe, existem em todas as categorias pessoas honestas e pessoas que não são tão honestas'. É necessário que se perceba que a categoria dos magistrados é uma categoria pequena. Nós temos hoje no estado 586 juízes mais 49 desembargadores. São 16 mil juízes no Brasil inteiro. Obviamente que, quando se tem algum tipo de corrupção em alguma outra categoria que não tem a expressão que tem um magistrado, a repercussão disso é menor. Então, parece que existe uma corrupção grande no Judiciário, mas não existe. Se você olhar aqui na Bahia o número de juízes que estiveram envolvidos em corrupção ainda é muito pequeno. E existem mecanismos fortes dentro da magistratura de coibir a corrupção. A maioria dos magistrados são probos e desenvolvem suas atividades com honradez.
Eliana Calmon também já chegou a dizer que há juízes que vendem sentenças...
Assim... (pausa)... O que a classe coloca em relação à ministra, quando foi Corregedora Nacional é... em alguns momentos - e isso às vezes ocorre, é que na hora que você dá entrevista muitas vezes você coloca as coisas dentro do contexto, e se corta esse contexto e não se mostra exatamente o que se quis dizer - é que quando ela diz "existe na magistratura bandidos de toga", ela diz de uma forma generalizada. Isso fez com que a magistratura ficasse um pouco ressentida com esse termo. Que terminou não separando o joio do trigo. Não se identificava quem seriam esses bandidos de toga. Isso fez com que os magistrados se sentissem todos atingidos. Quanto à venda de sentenças, eu desconheço, tanto a declaração da ex-ministra quanto esse tipo de prática em juízes da Bahia.
Pode-se dizer que Eliana Calmon não contará com o voto dos magistrados?
Não ...eu acredito que haverá magistrados que irão votar nela...
A senhora acha que o CNJ exagera? Aqui na Bahia chegou a afastar o presidente do TJ (Mário Hirs)...
Repare... É esse o papel do CNJ. Se o CNJ verifica que existe alguma situação que seja necessário que haja o controle de um magistrado, seja do 1º grau, seja do 2º grau... é esse o papel do CNJ. Agora, no caso específico dos desembargadores aqui da Bahia, eu não posso dizer se esse afastamento foi justo ou injusto porque eu não conheço o processo, que é sigiloso, eu não conheço as acusações que existem contra eles.
Mas não tem a ver com a questão dos precatórios...?
Veja, existem vários processos que estão sendo apurados, um deles é a questão dos precatórios. O que foi que o CNJ fez quando fundamentou o afastamento? É que um era presidente do tribunal e o outro era ex-presidente (Telma Brito) e poderia influenciar a coleta de provas. E eles retornaram justamente porque eles não são mais presidentes e porque não se pode manter um afastamento por tanto tempo. Eles retornaram às suas funções e o processo ainda não foi julgado. E há a presunção de inocência, sempre. O que nós questionamos sobre o CNJ é a interferência em decisões judiciais. Os magistrados dão uma decisão e muitas vezes ocorre que há uma representação no CNJ contra uma decisão judicial que é cabível de recurso e se quer punir o juiz por aquela decisão judicial - que pode ou não ser equivocada. Mas deve ser atacada através de recursos próprios.
Uma das suas bandeiras é a eleição direta para presidência do TJ. O que mudaria?
Hoje o Brasil vive uma democracia. O Poder Judiciário, que é aquele que garante a democracia, o guardião da Constituição, não pode ter internamente uma estrutura que não seja democratizada. Não é possível admitir que o presidente do tribunal seja eleito só por desembargadores. O presidente tem que dialogar com todos os magistrados, não só com os da cúpula.
Fonte - A Tarde 11/08/2014
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