Percebe-se campanha no inconsciente coletivo da cidade para desmoralizar um sistema de transporte, moderno, eficaz e amplamente utilizado mundo afora que por aqui pouco ou nada se sabe. Como cuiabanos, parece que, no âmago, temos uma espécie de complexo de vira-latas ao imaginar que certas coisas “...só pódi tê in Sumpaulo ou Nazorópa”.
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Percebe-se campanha no inconsciente coletivo da cidade para desmoralizar um sistema de transporte, moderno, eficaz e amplamente utilizado mundo afora que por aqui pouco ou nada se sabe. Como cuiabanos, parece que, no âmago, temos uma espécie de complexo de vira-latas ao imaginar que certas coisas “...só pódi tê in Sumpaulo ou Nazorópa”.
Reconheço muita ousadia em governantes “pau rodado” ao candidatarem Cuiabá como sede da Copa, ousadia essa que não imaginaria ver em muitos gestores “de tchapa e cruch” que já passaram ou poderiam ter passado pelo Paiaguás.
Trata-se o BRT de um sistema de ônibus biarticulados que circulam em via segregada (corredor exclusivo), trafegando em velocidade relativamente elevada, disponibiliza informações aos usuários através de uma central operacional e permite aquisição antecipada de bilhetes de passagem.
Somente com esses requisitos pode ser chamado de Bus Rapid Transit e, por esse motivo, no Brasil só existem efetivamente três em operação: Curitiba (PR), Goiânia (GO) e Uberlândia (MG), todos implantados sob a supervisão do urbanista Jaime Lerner, ex-prefeito da capital paranaense, que foi a pioneira na exploração desse modal.
A rigor, BRT é uma versão rápida do ônibus convencional. Seu custo de implantação orbita os R$ 30 milhões/km (fora desapropriações), leva menos tempo para entrar em operação – 02 anos em média entre projeto e obra pronta, atende demanda intermediária de 10.000 a 30.000 passageiros/hora, conduzindo cerca de 270 passageiros por composição.
É forte emissor de poluição sonora e de CO2, não atua no sentido de melhorar a paisagem urbana e não incentiva as pessoas a deixarem seus veículos em casa, sendo portanto um contribuinte negativo do ponto de vista da sustentabilidade.
Para o caso específico de Cuiabá – Várzea Grande, em virtude na necessidade operacional de segregação da via, o BRT oferece o inconveniente de demandar enormes cifras para desapropriações.
Não vejo hoje, os atores que estiveram envolvidos no processo de escolha desse modal, fazerem qualquer menção a esse aspecto de extrema relevância em seus depoimentos na CPI das obras da Copa.
O impacto para os detentores de imóveis no eixo do projeto seria cerca de três vezes superior em termos de área desapropriável se comparado ao Veículo Leve sobre Trilhos e o custo em torno de R$ 700 milhões a mais para os cofres do estado, lembrando que os bancos não financiam desapropriações.
O VLT é um metrô de superfície adotado com enorme frequência em cidades médias. Atende demandas intermediárias de usuários, iniciando sua viabilidade a partir de 10.000 passageiros/hora indo até 35.000 passageiros/hora.
O custo de implantação desse modal ultrapassa a casa dos R$ 70 milhões/km porém, em comparação ao BRT (para Cuiabá – Várzea Grande), o custo em desapropriações fica em torno de 1/3 menor, pois não carece de segregação de via, embora necessite, mais que o BRT, da construção de viadutos e passagens em nível, as chamadas trincheiras.
O tempo de implantação gira em torno de seis anos entre estudos, projetos e início de operação, dependendo da extensão das linhas. Uma composição do VLT leva 400 passageiros, é movida a energia elétrica e portanto não emite ruído nem gases causadores de efeito estufa (GEE).
Seus horários são precisos; estimula as pessoas a deixarem seus veículos em casa mais do que qualquer outro meio que não o metrô, desafogando o trânsito; levanta a autoestima porque não é ônibus e sua tarifa é subvencionada em todos os lugares onde opera, para permitir a integração com outros modais.
Atua fortemente no sentido de requalificar a paisagem urbanística, propiciando à cidade dinamismo e modernidade, contribuindo assim duplamente com o meio ambiente podendo, no limite, até gerar créditos de carbono, se operado dentro das concepções de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL. Hoje o Veículo Leve sobre Trilhos nos aparenta como a moça bonita da cidade pequena que pegou fama de bisca e ninguém mais quer pra casar.
Para alguns fatos, é verdade, não há argumentos. A qualidade das obras do VLT até agora feitas é ruim e devemos tentar analisar por que se tem serviço com execução tão questionável em empreendimento de tamanha magnitude e relevância para a região metropolitana de Cuiabá.
Observo que para operações de engenharia desse vulto, fatores que levam ao encadeamento de erros, patologias ou deficiências construtivas, em geral não tem fato gerador, origem ou, como se costuma procurar, culpado único.
Em nosso entendimento a obra do VLT Cuiabá Várzea Grande, assim como várias outras, é vítima de duas questões de ordem sistêmica, sendo elas: o arcabouço jurídico onde se ancora o modo de contratação e fiscalização de obras publicas; e fatores relacionados ao estágio atual da engenharia civil no Brasil, exógenos ao âmbito do poder publico.
Discorreremos sobre esses dois aspectos nos artigos seguintes. Por ora, buscamos apontar que não é razoável tentar achar o judas para ser malhado. Perder-se-á tempo e recursos, quando o importante é terminar a obra.
Com o montante gasto e os quantitativos executados, não é mais possível discutir o modelo de transporte coletivo, ele já foi escolhido com aval de todos os poderes constituídos e da sociedade lá em 2011, haja vista que não observamos à época, nenhuma movimentação consistente do Legislativo, do Judiciário e dos órgãos de controle no sentido de se discutir alternativas.
Entendemos que o debate do tema por parte do novo governo com a sociedade e os agentes envolvidos deve centrar fogo especificamente em qualidade de projeto/obra e cronograma, nada mais.
Qualquer incursão no momento atual no sentido de questionar viabilidade econômico-financeira do VLT, após ter-se pago mais de R$ 1 bilhão, pode sugerir até improbidade, uma vez que o ato de desistir da obra confrontaria em cheio preceitos legais como razoabilidade e economicidade.
Qualquer modal novo pensado neste momento para Cuiabá – Várzea Grande custará, de saída: R$ 1 bilhão, mais o custo de demolição de parte do que já foi executado, mais o custo de sua própria implantação. Portanto pode-se afirmar com precisão econométrica que todos serão inviáveis.
Não acolhemos a anterior alteração do modal “no meio do caminho”, vamos assim dizer, como um dos motivos que teriam dado causa à problemática. A escolha do VLT em substituição ao BRT, a nosso julgo, não é relevante para dar cabo a erros de execução, porque a engenharia está (e assim deve ser) acostumada à alterações, descontinuidades e surpresas em seu campo de atuação, é da sua natureza.
Portanto, uma vez alterado o modal por decisão política, tem-se um desafio posto à engenharia - que trabalha justamente com desafios. Não cabe aos técnicos envolvidos questionar, mas sim buscar resolver o proposto da melhor maneira.
Alguns por ventura dirão então que, ao se alterar, não se teria mais prazo de conclusão para a Copa. A esses diríamos que, como se tratava de obra de legado, não haveria problema em não se concluir a tempo dos jogos.
A falta aí, a nosso ver, foi na omissão da verdade à opinião pública sobre a viabilidade técnica de execução do VLT nos prazos do BRT. Isso deveria ter sido levado à discussão pública. Encerro a primeira parte desse artigo com um parágrafo para reflexão:
Jamais teremos a chance de saber se, ao invés do VLT, o estado tivesse optado pela contratação do BRT, as obras estariam concluídas no prazo e a contento. Se o que se conjectura e se verifica é que as obras do VLT encontram-se de tal maneira em decorrência de corrupção e má execução, quem nos garante que com o BRT seria diferente?
O que estaríamos nessa hipótese praguejando agora então? Que o BRT era um sonho grande demais para Cuiabá e que a solução ideal era somente comprar ônibus novos para o atual modelo vigente? Queremos ressaltar com isso que não há conexão do tipo de modal escolhido com qualidade de obra, ou seja, não estamos assim porque foi adotado o Veículo Leve sobre Trilhos. (continua)
KAIKE RACHID MAIA é arquiteto urbanista, economista e especialista em infraestrutura de transporte
Fonte - ABIFER 30/10/2015
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