No Brasil, temos a sorte de ter os maiores especialistas do mundo em estudo da poluição. Infelizmente, nossos cientistas são impedidos de avançar em seus estudos por autoridades locais, mesmo que estes estudos consigam modificar a saúde de muitas pessoas, geralmente trabalhadores. Três cientistas ligados aos laboratórios de pesquisa avançada contam por quê.
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No Brasil, temos a sorte de ter os maiores especialistas do mundo em estudo da poluição. Infelizmente, nossos cientistas são impedidos de avançar em seus estudos por autoridades locais, mesmo que estes estudos consigam modificar a saúde de muitas pessoas, geralmente trabalhadores.
Três cientistas ligados aos laboratórios de pesquisa avançada contam por quê.
A doutora Mariana Veras, coordenadora do laboratório de poluição atmosférica da USP, relata duas situações em que o poder público bloqueou a pesquisa. O primeiro, diz a dra. Mariana, “foi um estudo com os guardas de trânsito de São Paulo (os marronzinhos), coordenado pelo professor Paulo Saldiva.
O objetivo era avaliar diversos desfechos de saúde, mas principalmente a fertilidade masculina. Alguns dados foram divulgados, mas o estudo foi parado, pois daria ‘provas’ dos riscos à saúde do trabalhador, implicando insalubridade e outras garantias...”
Outro estudo, este do qual a doutora Mariana Veras participou, foi de intervenção urbana. “Era da gestão do prefeito Haddad sobre a diminuição da velocidade dos carros. Queríamos saber se a diminuição da velocidade beneficiaria o ar. Nós acreditávamos que, quando o trânsito flui, os carros andando poluem menos.
Para isso escolhemos duas avenidas, medimos antes da diminuição da velocidade e iríamos medir depois. Porém, como a gestão mudou e não havia mais interesse na questão do ar e, além disso, foi lema de campanha acabar com a velocidade reduzida, o estudo acabou.”
Algo semelhante aconteceu em Porto Alegre (RG), com o doutor José Miguel Chatkin, professor da PUC e presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia. Chatkin relata que “a doença pulmonar obstrutiva crônica (enfisema, bronquite crônica) é causada, geralmente, por tabagismo, mas entre as outras causas está a poluição fora e dentro de casa. Está bem definida a associação de uso de fogões e aquecedores a lenha ou carvão com esse tipo de doença pulmonar obstrutiva”.
A ideia foi de investigar se funcionários que trabalham diariamente em churrascarias e pizzarias bem próximos aos fornos e às churrasqueiras por várias horas têm associação com DPOC. “Pensou-se em comparar pizzaiolos e churrasqueiros fumantes e não fumantes com exposição semelhante em carga e tempo”, lembra.
“Como objetivo secundário, pretendia-se avaliar a proteção fornecida pelos filtros e exaustores e qual a porcentagem dos restaurantes que adotam esse tipo de equipamento protetor no Brasil. Nem chegamos a investigar se isso seria obrigatório, pois o projeto foi abortado. "Os funcionários ficaram com receio de perder o emprego ou ficar marcados pelos patrões. E os proprietários não participaram possivelmente por não estarem cumprindo os quesitos legais e ficarem vulneráveis a causas trabalhistas.”
A doutora Yula Merola, maior especialista brasileira na poluição por radônio, gás radioativo (a segunda causa, depois do fumo, por câncer de pulmão), teve suas pesquisas bloqueadas por autoridade regionais, pelo potencial de exigirem mudanças importantes na distribuição de áreas para construção de moradias. Ela desabafa. “Não é de hoje que se fala que a ciência deve estar a serviço da sociedade, de sair do laboratório para a clínica.”
Mas, quando essas pesquisas de laboratórios são levadas para um público maior, elas são boicotadas. “A pesquisa mantém-se hoje por pura teimosia de pessoas que decidiram não se render ao cenário perturbador de reconhecimento zero do seu real valor”, explica a dra. Yula.
*Riad Younes é médico, professor e diretor do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
Fonte - Portogente 30/03/2018
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