Ao longo desses dez meses, o salto é de 150% - do hoje distante R$ 1,60 aos R$ 4 que ultrapassam os R$ 3,45 pagos por quem transita no Anel A do ônibus. Um custo pesado para os passageiros que, segundo admite a própria Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), não trará melhorias. Será apenas para evitar um colapso que feche o serviço de vez.
Folha de Pernambuco
foto - ilustração/arquivo |
Ao longo desses dez meses, o salto é de 150% - do hoje distante R$ 1,60 aos R$ 4 que ultrapassam os R$ 3,45 pagos por quem transita no Anel A do ônibus. Um custo pesado para os passageiros que, segundo admite a própria Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), não trará melhorias. Será apenas para evitar um colapso que feche o serviço de vez.
O aumento em escala foi autorizado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília, e afeta outras quatro capitais que também possuem redes de transporte metroviário administradas pela empresa pública federal: Belo Horizonte, João Pessoa, Maceió e Natal. Das cinco cidades, Recife é a que terá a segunda passagem mais cara, atrás somente de Belo Horizonte.
Pela decisão judicial, assinada em abril de 2019, o percentual do reajuste seria de 87,5%. Assim, a tarifa seria elevada até R$ 3, porém logo o teto do aumento foi ampliado para R$ 4, seguindo um calendário acordado com a Justiça. O valor é mais alto que o do metrô de Salvador, de R$ 3,70, porém menor que os de São Paulo (R$ 4,40) e Rio de Janeiro (R$ 4,60).
A principal justificativa para a série de reajustes era que a CBTU não conseguia cobrir nem metade dos custos de operação após sete anos de congelamento de preço na Capital pernambucana. No entanto, para quem utiliza o meio de transporte, o impacto no bolso é grande. Para se ter uma ideia, a partir do novo reajuste, quem anda só de metrô ou usa com outros modais, mas sem integração, passará a gastar R$ 40 por semana, sem contar sábado e domingo.
O impacto financeiro, que naturalmente gera insatisfação em ano de lenta recuperação da economia, chega num momento difícil para o Metrorec. Desde a colisão entre dois trens na estação Ipiranga que deixou mais de 60 feridos três dias antes do Carnaval, as falhas de infraestrutura, percebidas há muito tempo, ficaram ainda mais expostas.
A técnica em enfermagem Gercicleide Oliveira, de 29 anos, vive em Moreno, na Região Metropolitana, e estuda Estética e Cosmética numa faculdade particular no bairro da Boa Vista, Centro do Recife. Todo dia, de manhã, ela pega um ônibus na cidade onde mora e desce em Jaboatão, onde embarca para a estação Joana Bezerra.
"Os atrasos acabam acumulando mais gente. A plataforma fica cheia. A gente está pagando caro para pouca melhoria", comenta. Numa semana complicada, com atrasos e às vésperas do aumento, a Folha de Pernambuco percorreu parte da malha metroviária e conversou com passageiros, que relataram as dificuldades vividas no gargalo de um sistema que opera no limite.
Aperto, calor e caosUma das queixas mais recorrentes e visíveis é a superlotação, que se exacerba durante as rotineiras interrupções no sistema. Só esta semana foram registradas duas paradas na circulação do metrô, sendo poucas horas entre uma e outra. A primeira delas, na noite da última segunda-feira (2), na estação Rodoviária, por causa de um trem da frota antiga que ficou em baixa pressão. De acordo com a CBTU, em 15 minutos, o fluxo voltou ao normal. A segunda, na manhã de terça-feira (3), já durou 40 minutos, depois que um passageiro acionou o freio de emergência em um vagão, comprometendo toda a Linha Centro.
Como outros problemas urbanos, os gargalos do Metrorec têm fatores diversos. Além de operar numa estrutura insuficiente para o quase meio milhão de usuários, numa região metropolitana de mais de 4 milhões de habitantes, o metrô recifense sofre com a desorganização amplificada pela falta de civilidade.
O empurra-empurra é uma constante. A cuidadora Maria José Lopes, 33, conta que machucou o braço uma vez. "O local de desembarque, infelizmente, a população também não respeita. As pessoas entram para pegar um assento. E já tem a questão do horário, que atrasa. Você tem que sair mais cedo de casa para chegar no trabalho na hora correta, já vem cansado do dia anterior, porque, quando volta, também está lotado. É calor, é tudo isso todos os dias", desabafa.
O calor citado por Maria José não é causado apenas pela superlotação. Em alguns vagões, o ar-condicionado não funciona. A empregada doméstica Graciete de Carvalho, 48, anda sempre de leque na mão. Metade do compartimento onde ela fazia a viagem tinha climatização. Na outra, onde a passageira estava sentada, quem não tinha com o que se abanar só podia esperar o fim do passeio com o suor escorrendo da testa. "É sempre esse calor mortal. O leque vem na bolsa direto", afirma a usuária, que, às vezes, leva até 50 minutos para ir da estação Afogados para Jaboatão, incluindo o tempo de espera. "[O trem] fica parando", diz.
A falta de estrutura adequada atrapalha mais a vida de quem tem dificuldades de deslocamento. O vendedor Luiz Graciliano Ramos Filho, 49, usa cadeira de rodas e sai diariamente de Camaragibe, onde mora, para trabalhar em Jaboatão. Por isso, ele pega, com a mulher e o genro, as duas linhas do metrô. "O serviço de transporte é horrível, principalmente para o cadeirante, que não tem respeito", avalia o passageiro no meio do aperto.
Para o comerciante, um dos obstáculos é na hora de sair do trem, que nem sempre está no mesmo nível da plataforma. "O elevador geralmente está quebrado. De um tempo para cá foi que ajeitaram. Na Linha Sul, a plataforma é mais alta que o trem. Aí o meu genro é que tem que puxar a cadeira para trás para eu subir com ela", relata.
Segundo o gerente de comunicação da CBTU Recife, Salvino Gomes, hoje todos os elevadores das estações estão funcionando. Das escadas rolantes, só duas, de Camaragibe, apresentam falhas porque alguém colocou uma sandália entre os degraus. Sobre o desnível dos trens, ele disse que é preciso verificar. "Em geral, eles ficam no nível da plataforma. Pode ser uma questão de pneumática do trem, que pode ser um pouco mais alta ou mais baixa", comentou. Com relação à falta de climatização em alguns vagões, Gomes afirmou que foram feitas solicitações de compra de aparelhos à sede nacional da companhia.
(Des)controle urbanoO lixo e as depredações são outra realidade incômoda. Os atos de vandalismo não só revelam a vulnerabilidade do sistema e dos usuários como provocam atrasos e panes na circulação. Este ano, ou seja, em pouco mais de dois meses, foram contabilizadas 20 ocorrências de roubos e tentativas de furto de cabos tanto dos trens quanto das subestações de energia. Nove desses casos resultaram na identificação de suspeitos com registro formal de denúncia à polícia. Em 2019, o prejuízo com roubo de fios atingiu o total de R$ 496.945,00, de acordo com a CBTU Recife. Ainda segundo a empresa, nesse mesmo período, 738 viagens deixaram de ser realizadas por esse motivo.
O lixo também se acumula com facilidade nas plataformas e até nos trilhos, especialmente em estações mais movimentadas, como Recife e Joana Bezerra. Por meio de nota, a CBTU informou que, por mês, são recolhidos 36 mil kg de rejeitos nas estações e no entorno. Além disso, o texto afirma que a limpeza nos terminais é feita diariamente e a frequência da manutenção da linha férrea varia de acordo com o trecho.
Embora proibido, o comércio ambulante ocupa os trens, passarelas e plataformas a qualquer hora sem nenhum ordenamento. Apesar disso, não há um plano para a regularização da atividade. "A questão dos ambulantes é maior que a gente. A informalidade está beirando o absurdo no Brasil. Todo mundo sabe que é proibido, mas compra. Estamos fazendo um convênio com a Polícia Militar para coibirmos com mais força", informa Salvino Gomes.
Segundo a CBTU, a conta não fecha
Em meio a esse quadro, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, participou, na última quinta-feira, de uma reunião técnica na sede da companhia no Recife. Durante a visita, o gestor disse que os aportes dos últimos anos garantiram a manutenção do sistema. "O problema é que existe um passivo de mais de dez anos, que não é deste governo nem sequer do anterior e que se acumulou ao longo do tempo. A operação é extremamente onerosa e, por isso, a responsabilidade da definição de que forma o sistema vai continuar operando e que precisa ser partilhado com o conjunto dos atores envolvidos", avaliou.
Ao contrário do que muita gente pode pensar, o dinheiro das passagens do Metrô do Recife não fica na Capital pernambucana. Ele segue para a Conta Única do Tesouro Nacional e é distribuído de acordo com a Lei Orçamentária Anual (LOA), aprovada pelo Congresso Nacional. Dessa forma, o repasse à CBTU para a manutenção e gestão dos cinco sistemas de transporte mantidos pela empresa pública é de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Regional.
O valor repassado ao Metrorec tem sofrido cortes há dez anos. Segundo a CBTU Recife, em 2018, o orçamento solicitado pela companhia foi de mais de R$ 243 milhões, porém foram liberados R$ 98,8 milhões. Já no ano passado, o pedido foi por mais de R$ 282 milhões, enquanto o montante aprovado foi menor que o anterior: R$ 98,08 milhões. Além disso, ainda que não houvesse todo esse trâmite, o total arrecadado com as tarifas não é suficiente para cobrir o déficit. Foram R$ 86,4 milhões em 2018 e R$ 81,2 milhões em 2019.
A empresa estima que, para melhorar e garantir o pleno funcionamento do serviço, seja necessário um acréscimo de R$ 25 milhões no orçamento pelos próximos cinco anos. Outra discussão em relação ao déficit orçamentário do Metrorec envolve a integração com o ônibus, que tem uma tarifa diferente e é gerida pelo Governo de Pernambuco.
Na última segunda-feira, a CBTU divulgou uma nota afirmando que o Estado tem uma dívida de R$ 99,8 milhões com a empresa pública federal. O repasse estaria irregular desde 2012 e, por isso, foram ingressadas três ações judiciais cobrando o pagamento. No mesmo dia, o Governo respondeu, também por nota, que os valores estão sendo discutidos na Justiça e que, em 2019, foram transferidos R$ 39,4 milhões à CBTU.
O contingenciamento custa caro à própria sobrevivência do sistema, inaugurado em 1985. Mais da metade da frota utilizada até hoje é daquela época e, dos 40 veículos que compõem a rede, 24 funcionam enquanto 16 seguem parados em manutenção. "Você imagine 35 anos de operação, dando aproximadamente 500 viagens por dia. Por isso, pedimos ao Conselho Administrativo da companhia a compra de 20 novos trens", conta o gerente de comunicação da CBTU Recife, Salvino Gomes.
PrivatizaçãoUma solução debatida é a privatização. Em decreto publicado em setembro do ano passado, a CBTU foi incluída na lista de empresas públicas que o Governo Federal estuda repassar à iniciativa privada. Na opinião do professor de engenharia civil da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e especialista em mobilidade, Maurício Pina, a opção é válida. "A gente tem que pensar em novas formas de atrair investimentos para o setor. Nós temos casos no Brasil, como Salvador, que funcionam dessa maneira. As dificuldades de obtenção de recursos do Governo são crescentes. A gente não pode esperar que o Governo seja o provedor de tudo como era antes", defende.
A proposta, no entanto, enfrenta resistências. Na Câmara dos Deputados, tramita desde janeiro um projeto de decreto legislativo, de autoria dos deputados Rogério Correia (PT-MG) e Bohn Gass (PT-RS), que anula o decreto de 2019. O presidente do Sindicato dos Metroviários de Pernambuco (Sindmetro-PE) considera "ruim" a ideia de privatizar. "O trabalhador vai pagar muito mais por um serviço que não é eficiente. Já foi comprovado que bilheteria de metrô jamais vai conseguir arrecadar o que gasta. As passagens ficam caras, e o governo vai continuar investindo, sem contar que [a privatização] reduz os postos de trabalho e a remuneração dos trabalhadores. É menos dinheiro na economia", argumenta.
Em busca de soluçõesCom 71 quilômetros de malha viária, sendo 39,5 km da linha elétrica e 31,5 km de VLT - a maior das cinco cidades atendidas pela CBTU -, o Metrorec contempla apenas uma parte do Grande Recife. Para o professor Maurício Pina, além das urgências atuais, a expansão da rede deve ser discutida. "As cidades daqui a 10, 20, 30 anos não vão poder ter o mesmo sistema de transporte de hoje, operando em corredores com a capacidade esgotada. O fato de haver dificuldades estruturais não impede que a gente pense em ampliar. Mas isso depende de investimentos porque o processo de maturação de um metrô é de longo prazo", opina.
Na avaliação do professor Oswaldo Lima Neto, doutor em Planejamento de Transportes Urbanos, embora uma expansão seja possível do ponto de vista técnico, a prioridade hoje deve ser investir no que já existe. Além disso, a diversificação dos meios de transporte nas cidades ajuda a desafogar a demanda e manter a fluidez nos deslocamentos.
"O metrô tem um custo alto, e o Governo Federal sempre bancou isso, mas começou a retirar recursos do orçamento. Para mim, não é hora de construir, é hora de recolocar o metrô em boas condições de circulação. Você tem de avaliar o fluxo e o custo. Eu sou a favor não de expandir hoje, mas sim salvar, remodelar o metrô", afirma.
Apesar disso, o pesquisador acredita ser viável implantar, no futuro, veículos leves sobre trilhos nas faixas exclusivas hoje ocupadas pelo Bus Rapid Transport (BRT). "Se você tem esse espaço, você pode botar um metrô leve lá, futuramente", sugere.
Porém, independente do tipo de projeto que se decida implementar, o princípio básico para a melhoria não só do metrô, mas de toda a mobilidade, é saber acomodar os mais variados meios de transporte. "Hoje o mundo afora está muito mais na linha do conceito de ruas completas, que é dar direito aos diversos modais numa mesma rua. Isso melhora a qualidade de vida, diminui a poluição, torna tudo mais sustentável", observa.
Fonte - Revista Ferroviária 09/03/2020
Link da matéria - http://www.revistaferroviaria.com.br/detalhe-noticias.asp?InCdEditoria=2&InCdMateria=31569
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