Dadas as elevadas proporções e as mais diversas consequências do acidente, certamente ainda serão propostos muitos outros processos – criminais, cíveis, trabalhistas etc. – a fim de verificar como sucederam os fatos, quem são os responsáveis, qual é o grau de culpa de cada um, além de definir o que será necessário para a reparação e para o restabelecimento da situação anterior, se isso for possível.
Antonio Adonias Aguiar Bastos* - Portogente
foto - ilustração/arquivo |
O episódio já foi levado ao Judiciário, que, entre outras medidas, ordenou o bloqueio preventivo de bilhões de reais da Vale.
Dadas as elevadas proporções e as mais diversas consequências do acidente, certamente ainda serão propostos muitos outros processos – criminais, cíveis, trabalhistas etc. – a fim de verificar como sucederam os fatos, quem são os responsáveis, qual é o grau de culpa de cada um, além de definir o que será necessário para a reparação e para o restabelecimento da situação anterior, se isso for possível.
Será necessário produzir provas, com a realização de perícias em cada uma dessas demandas judiciais, ou tomá-las emprestadas de um processo para o outro, tornando-os mais caros, lentos e complexos, sem mencionar o risco de surgirem decisões contraditórias sobre os mesmos fatos. Tudo isso deixa a sensação de denegação da justiça. Em novembro/2018 – três anos depois do desastre ambiental de Mariana/MG, que era considerado o maior já registrado no Brasil –, o processo criminal ainda estava na fase de oitiva das testemunhas para definir se as 19 mortes dali decorrentes hão de ser consideradas como homicídios. No âmbito dos Juizados Especiais, a imprensa noticia a pendência de cerca de 50 mil causas ainda sem desfecho. Duas semanas depois do ocorrido em Brumadinho, a Defesa Civil de Minas Gerais divulgava números estarrecedores – por si só e comparados aos de Mariana: a liberação de cerca de 13 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro – que já alcançaram o Rio Paraopeba – provocou 157 mortes e 182 desaparecimentos.
Sem embargo da indispensável vontade política, da mobilização da estrutura e da logística do Poder Público e de particulares, do emprego de todo o esforço possível para tentar salvar vidas, averiguar o acontecimento e definir as suas consequências, o Judiciário poderia contar com um importante instrumento para alcançar a solução desses casos que lhe serão submetidos: a existência de um precedente vinculante sobre os fatos.
Cuidar-se-ia de um pronunciamento judicial qualificado que definisse como sucedeu o episódio, quais os seus contornos e que fosse de aplicação obrigatória para os Órgãos Jurisdicionais. A medida reduziria as despesas e o tempo com a produção de provas, propiciando, ainda, decisões uniformes sobre aqueles fatos específicos, que, afinal, consistem no fundamento central dos respectivos processos judiciais. Contribuiria também para a previsibilidade de julgamentos de casos futuros acerca do mesmo acidente, incrementando a segurança jurídica, conforme defendemos no artigo intitulado “Precedentes sobre questão fática”, publicado na Revista Jurídica da Universidade de Santiago (2013, p. 41-56).
Passamos perto da aprovação deste mecanismo na nossa legislação. O § 9º do art. 988 do Projeto do Código de Processo Civil (CPC/2015), na versão da Câmara dos Deputados, previa a possibilidade de instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) “quando houver decisões conflitantes sobre mesma questão de fato”. No entanto, ele foi retirado da redação final do Código, que reservou ao IRDR a (não menos importante) função de sedimentar o posicionamento dos Tribunais em relação à interpretação da lei e/ou de uma determinada tese jurídica, sem possibilitar que o mesmo instrumento fosse utilizado para definir como aconteceu determinado fato de grande repercussão para a sociedade.
Está na hora de atribuir essa função ao IRDR para que as autoridades competentes possam utilizá-lo na apuração das responsabilidades em casos semelhantes aos de Brumadinho e “para que se realize efetiva Justiça” com rigor e celeridade, como anunciou o Presidente do STF no discurso de abertura do ano do Poder Judiciário, em 01/02/2019, afinal, passados mais de três anos, ainda não temos uma resposta judicial vinculante sobre o de Mariana.
*Antonio Adonias Aguiar Bastos, Doutor e Mestre (Universidade Federal da Bahia – UFBA). Professor da UFBA e da Faculdade Baiana de Direito. Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Presidente do Centro de Estudos de Sociedades de Advogados (CESA) – Seccional Bahia. Advogado. Email: adonias@adonias.adv.br.
Fonte - Portogente 18/02/2019
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