O presidente Michel Temer adotou o bordão “20 anos em 2” para celebrar seus dois anos de atuação, completados este mês. Somente um governo que ascendeu ao poder mediante golpe parlamentar pode ter a petulância de transformar a desgraça da maioria em festa.Festejar o quê, exatamente?
Por Nathalie Beghin* - www. inesc.org.br
foto - ilustração/Wikipedia |
Festejar o quê, exatamente? A queda da inflação e dos juros que estão em seus menores patamares há muitos anos? Esses são os únicos indicadores de sucesso que se tem notícia. De sucesso, em termos, pois a queda da inflação deve-se, em grande medida, à profunda recessão econômica dos tempos recentes: o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro encolheu em 7,5% entre 2015 e 2016. Mas de que adianta se a economia não volta a crescer? Até os operadores de mercado, que estão entre os beneficiários do presidente Temer e seus aliados, estão reduzindo as estimativas de crescimento para 2018.
O que celebrar no cenário político tendo uma aprovação de apenas 5% , segundo as últimas pesquisas de opinião?
A elevada reprovação de Temer e seus aliados pode ser creditada, em grande parte, às evidências de um governo mergulhado na corrupção, associadas aos arrochos provocados nas políticas públicas. As medidas implementadas nos últimos dois anos visam proteger, acima de tudo, os interesses dos governantes de plantão, bem como o capital, especialmente o financeiro, em detrimento do bem-estar geral da Nação.
Assim, o governo Temer congelou constitucionalmente os gastos públicos federais por 20 anos, com exceção do pagamento dos juros da dívida (por meio da Emenda Constitucional 95/2016); segurou o valor de salário mínimo abaixo da inflação, o que afeta milhões de trabalhadores; deu início a processos de privatizações de bens públicos, até mesmo abrindo para o capital estrangeiro; começou a desmontar o já frágil Estado de Bem-estar Social, associando cortes orçamentários com retirada de direitos, por intermédio da reforma trabalhista e a da formulação de uma reforma da previdência social que viola os direitos dos mais vulneráveis; extinguiu ou enfraqueceu institucionalidades criadas para defender os direitos de grupos da população historicamente excluídos, como mulheres, negros, indígenas, povos e comunidades tradicionais e comunidade LGBTI+. Da mesma maneira, vem eliminando medidas de proteção ao meio ambiente.
Esse conjunto de medidas resultou em expressivos retrocessos que penalizam, e muito, a maioria da população. Vejamos alguns deles:
A desigualdade se acirra. Um excelente indicador para dimensionar esse fenômeno é a concentração da riqueza. Segundo a Oxfam, o número de super-ricos que se apropriam de riqueza equivalente à metade mais pobre da população brasileira passou de seis para cinco entre 2016 e 2017. E mais: em 2017, o país ganhou mais 12 bilionários, que agora somam 43 pessoas. A fortuna desses super-ricos chega a US$ 549 bilhões, ou 43,52% da riqueza do país. Enquanto isso, a metade mais pobre da população brasileira detinha apenas 2% da riqueza nacional, menos do que os 2,7% de 2016. Em resumo: as medidas recessivas do governo Temer atingem somente os mais pobres, pois os mais abastados só fazem aumentar seu patrimônio em plena recessão econômica.
A pobreza e a miséria voltam a crescer depois de anos de queda. Levantamento realizado pela LCA Consultores, a partir de microdados da Pnad Contínua, divulgada recentemente pelo IBGE, mostra que o número de pessoas em situação de extrema pobreza no país passou de 13,3 milhões para cerca de 14,8 milhões entre 2016 e 2017, o que representa um aumento de mais de 11%[1]. E mais: o aumento da pobreza é generalizado, pois aconteceu em todas as regiões do país. Esse empobrecimento se explica, em grande parte, pela queda real do valor do salário mínimo e pelo aumento do desemprego e do trabalho informal. Atualmente, mais de 13 milhões de trabalhadores e trabalhadoras estão sem emprego. Os números também revelam um processo de desaparecimento do emprego formal no Brasil. Desde 2014, o país perde, em média, 1 milhão de postos com carteira assinada por ano, ainda segundo a Pnad Contínua do IBGE.
A mortalidade infantil interrompe sua trajetória descendente. Segundo o Ministério da Saúde, depois de uma longa e sustentada diminuição, a mortalidade infantil cresceu 11% para crianças entre um mês e quatro anos de idade, atingindo o patamar de 12,7 mortes por mil nascidos vivos em 2016. A título de comparação, nos países da Zona do Euro esse indicador é da ordem de quatro mortes por mil nascidos vivos. Estima-se que a situação irá se agravar em 2017 e 2018. A morte de crianças é um indicador sensível do nível de desenvolvimento de um país, e uma evidência eloquente de suas prioridades e de seus valores. A diminuição real do salário mínimo e os cortes de programas sociais, tanto na saúde, como na assistência social, educação, habitação e saneamento, entre outros, impactaram diretamente na vida das crianças.
Esses são alguns exemplos das nefastas consequências dos “20 anos em 2” do governo Temer e seus aliados. Estudo do Inesc, realizado em parceria com CESR e Oxfam Brasil, evidencia que as medidas de austeridade adotadas desde 2016 resultaram em expressivos cortes e na violação de direitos de grandes parcelas da população: a área que mais perdeu foi a da juventude, seguida dos programas de segurança alimentar e nutricional, mudanças climáticas, moradia digna e defesa dos direitos de crianças e adolescentes e de mulheres.
A perversidade se acentua com a constatação de que o subfinanciamento de programas sociais é ineficiente: segundo estudo de Antônio Albano, com a Emenda Constitucional 95, do “Teto dos Gastos”, a previsão de crescimento do PIB é menor do que sem ela, e a previsão de resultado fiscal com ou sem a EC 95 é praticamente igual.
O governo federal não tem nada para celebrar e muito para se envergonhar!
*Nathalie Beghin, coordenadora da assessoria política do Inesc.
Brasília, 15 de maio de 2018.
Fonte - Revista Amazônia 21/05/2018
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