sexta-feira, 25 de maio de 2018

Cadê o Trem?

Transportes sobre trilhos  🚄

Muitos afirmam que se a carga fosse por ferrovia não haveria essa paralisação, porque o custo do transporte é menor, que o trem é o modo ideal para transportar cargas por longas distâncias (entre 200 e 1.000 km), é menos sujeito a acidentes e assaltos, polui menos, etc. Os comentários também lembravam a opção dos governantes pelo modo rodoviário e o consequente abandono das ferrovias a partir dos anos 1960.

GFPF
Grupo Fluminense de Preservação Ferroviária

foto - ilustração/arquivo
O recente protesto dos caminhoneiros contra o aumento excessivo dos combustíveis levou vários comentaristas das mídias a trazerem para o debate a questão do transporte ferroviário. Muitos afirmam que se a carga fosse por ferrovia não haveria essa paralisação, porque o custo do transporte é menor, que o trem é o modo ideal para transportar cargas por longas distâncias (entre 200 e 1.000 km), é menos sujeito a acidentes e assaltos, polui menos, etc. Os comentários também lembravam a opção dos governantes pelo modo rodoviário e o consequente abandono das ferrovias a partir dos anos 1960. Como resultado dessa escolha insana, vale lembrar a crescente estatística de mortes nas estradas: mais de 50 mil/ano. Falou-se também da eficiência do transporte ferroviário sem, contudo, apresentarem os números que o comprovem.
Vejamos alguns dados comparativos para se transportar o equivalente a seis mil toneladas de carga por mil quilômetros. Um trem precisaria de 86 vagões; pelo modo rodoviário, seriam necessárias 172 carretas; o trem consumiria 36 mil litros de diesel; os caminhões entre 90 a 100 mil litros; o espaço ocupado pelo trem seria de 1,6 km; os caminhões formariam uma fila de 3,5 km; bastaria um único maquinista para conduzir essa carga por trem, contra 172 caminhoneiros, sem contar os ajudantes.
Os mais precipitados diriam que o trem eliminaria empregos. Ledo engano: os caminhões continuariam com seu papel importante na integração dos modos, porém percorrendo distâncias menores, podendo o caminhoneiro fazer mais viagens/dia. O caminhão, graças a sua enorme mobilidade, recolheria as cargas na origem levando-as até um Centro de Distribuição-CD para serem embarcadas no trem e levadas até outro CD, onde seria transbordada novamente para os caminhões levarem-nas ao seu destino final, não muito longe do CD. Voilà!
Esse modelo de integração modal (trem+caminhão) é simples, perfeito e funciona a contento em muitos lugares do mundo desenvolvido, inclusive nos BRICs. Mas, como jabuticaba só tem no Brasil, ainda não seria possível implanta-lo, simplesmente porque no nosso modelo jabuticaba ferroviária não há capacidade (trens) disponível para transportar carga geral. No Brasil funciona a lógica do corredor de exportação para transportar commodities como minério de ferro, aço, soja, milho e outras. Mais de 85% da carga transportada por ferrovia é produzida por empresas que são acionistas das concessionárias ferroviárias, que exploram a malha desde 1996.
Traduzindo em números, o Brasil movimentou 1.656 bilhão de toneladas por km, em 2015. Deste total 1.076 bilhão (65%) foi carregado via rodoviária e o restante por outros modos, sendo apenas 20% por trilhos. Em resumo, não tem espaço na ferrovia para carga geral como alimentos, bebidas, remédios, eletro-eletrônicos, cimento, tijolo, material construção civil, móveis, automóveis, produtos químicos, combustíveis, etc.
Teoricamente, se esse modelo de integração rodo-ferroviário estivesse funcionando em proveito da sociedade, a greve desses dias não teria causado tantos impactos negativos no abastecimento, até porque, nesse modelo racional haveria trens de passageiros de média e longa distância ligando o nosso País continental e, portanto, bem menos veículos e acidentes nas estradas.
Mas, infelizmente, não há chances de mudar tão cedo, pois o governo adora esse modelo: são divisas que a ferrovia trás para engordar a Balança Comercial. Inclusive o governo quer renovar as atuais concessões da jabuticaba ferroviária por mais trinta anos. Oremos, pois, para não sermos incluídos nas estatísticas de mortes nas estradas!
*Antonio Pastori - Mestre em economia e Pós-graduado em Engenharia Ferroviária. Coordenador do Grupo Fluminense de Preservação Ferroviária - GFPF.
Fonte - Revista Ferroviária  24/05/2018

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