Ponto de Vista $$
Velho chavão da escola econômica do Consenso de Washington, que esteve em alta no início da década passada, essa visão sobre bancos públicos foi ressuscitada nos tempos de Temer-Meirelles, quando o complexo de vira-lata de que falava Nelson Rodrigues se manifesta sem constrangimento nem pudor. O que se quer é preparar o caminho para um programa de terra arrasada do setor produtivo, bloqueado qualquer reconstrução do país a partir de 2019.
Paulo Moreira Leite* - Portogente
foto - ilustração/arquivo |
Velho chavão da escola econômica do Consenso de Washington, que esteve em alta no início da década passada, essa visão sobre bancos públicos foi ressuscitada nos tempos de Temer-Meirelles, quando o complexo de vira-lata de que falava Nelson Rodrigues se manifesta sem constrangimento nem pudor. O que se quer é preparar o caminho para um programa de terra arrasada do setor produtivo, bloqueado qualquer reconstrução do país a partir de 2019.
Afinal, é uma instituição pública, o Banco do Brasil, que fornece o grosso do crédito para agricultura, seja para o agronegócio e a agricultura familiar. Os recursos para os programas sociais são fornecidos pela Caixa, historicamente responsável pelo financiamento de 70% das residências do país. Desde a década de 1950, quando o BNDES foi criado com apoio de Roberto Campos, patrono do pensamento liberal brasileiro, é impossível falar de investimento industrial sem falar dos financiamentos da instituição. O movimento, como se sabe, é outro. O que se quer é desmontar uma estrutura que ajudou a construir uma das dez maiores economias do mundo.
Já em novembro de 2016, poucos meses depois de instalado na cadeira de Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles anunciou o plano de fechar 500 agências do Banco do Brasil e demitir 17 mil funcionários -- uma iniciativa para abrir espaço para o crescimento de instituições privadas. Na mesma época, a Caixa Econômica anunciou a proposta de fechar 120 agências e demitir 11 mil funcionários.
No BNDES, o ataque chegou a tal nível de escândalo que levou o presidente Paulo Rabelo de Castro, insuspeito de qualquer simpatia com ideias fora da cartilha conservadora, a realizar uma auditoria interna -- jamais respondida pelos críticos -- demonstrando o desempenho da instituição e sua utilidade para o país.
A importância estrutural dos bancos públicos brasileiros ficou escancarada há quase uma década, em abril de 2009, quando Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, então às voltas com o colapso dos derivativos, fez questão de esticar o braço para cumprimentar Luiz Inácio Lula da Silva durante um encontro do G-20, em Londres, com a frase inesquecível: "Esse é o cara...eu adoro esse cara", disse Obama.
Não se tratava, óbvio, de uma saudação pessoal, mas do reconhecimento pelo bem sucedido esforço do governo brasileiro em proteger o país do holocausto econômico de Wall Street -- numa intervenção na qual os bancos públicos brasileiros cumpriram um papel fundamental. Em Washington, na época, não faltavam recursos do Tesouro para reanimar a economia. Mas, sem bancos públicos -- como quer Marcos Lisboa -- faltavam instituições para fazer o dinheiro chegar aos destinatários, abrindo caminho para estímulos à retomada do crescimento.
Enquanto a liberação de dólares pelo governo dos EUA provocava até protestos na linha Occupy Wall Street por parte de uma população inconformada com a ajuda ao mesmo setor privado cuja ganância havia quebrado o país de forma irresponsável, a intervenção do governo brasileiro produzia resultados opostos.
Em visita profissional aos Estados Unidos naquele período, não ouvi críticas ao "fracasso" de nossos bancos públicos, mas palavras de reconhecimento à Caixa Econômica pelos programas que só poderiam ser administrados por sua condição estatal -- como o Bolsa Família e mais tarde, Minha Casa Minha Vida, com papel evidente na recuperação da economia.
Entre executivos do Banco Mundial, ouvi elogios -- quase invejosos -- a uma instituição como o BNDES, capaz de injetar recursos na reanimação das empresas que tinham planos de investimento mas não encontravam, no setor privado, linhas de crédito que permitissem fechar o plano de negócios. As mudanças no mercado dos bancos brasileiros, há uma década, ajudam a entender o fundo da discussão. Numa conjuntura na qual, de um ano para outro, a inadimplência cresceu 48% (em 2008) e 18,8 % (em 2009), os bancos públicos foram atrás de clientes abandonados pelo setor privado e dessa forma impediram uma derrocada maior. O Banco do Brasil cresceu 31,5%, a Caixa Econômica, 51,4% e o BNDES deu um salto de 140%. Em média, o setor público deu um salto de 66,7%, para assumir 49,5% do crédito disponível
Os bancos privados, enquanto isso, caíram de 63,5% para 49,2%. Essa redução ocorreu num período no qual, para estimular o setor privado, o Banco Central liberou uma bolada fantástica de R$ 99,7 bilhões dos chamados depósitos compulsórios. Pouco adiantou. Mesmo autorizados a emprestar, preferiam ficar com montanhas de dinheiro em caixa.
Num esforço para impressionar o cidadão comum e minar sua resistência, a mídia do pensamento único cultiva uma campanha permanente de denúncias contra os bancos estatais, cujo marco é uma série de reportagens do Estado de S. Paulo, de 1976. Tenta-se construir, num esforço ininterrupto de mais de 40 anos, a noção de que as empresas estatais são ineficientes porque foram erguidas como um paraíso de mordomias, favores e privilégios, para não falar em coisa pior.
Essa visão de fracasso com origem no Estado -- que será debatida um pouco mais adiante -- busca diminuir o apoio da população a um patrimônio que ela construiu com seu esforço e sua criatividade. Sabemos que as distorções e mazelas existem, mas é difícil negar que refletem uma realidade de todo o país e são mais graves na área privada. Dados divulgados em 2017 mostram que é erro considerar o Estado como endereço preferencial da mordomia.
É certo que, no Banco do Brasil, a diferença de rendimento entre um diretor e um escriturário do banco é gigantesca -- 42 vezes. No setor privado, contudo, é ainda maior e ultrapassa 100 vezes com frequência. No Santander, fica em 144 vezes. No Itaú, o rendimento anual de diretores chega a R$ 12,5 milhões, o equivalente a 255 vezes aquilo que recebe um escriturário.
*Paulo Moreira Leite é jornalista e escritor
Fonte - Portogente 12/01/2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pela sua visita, ajude-nos na divulgação desse Blog
Cidadania não é só um estado de direito é também um estado de espírito