Meli Malatesta (blog Pé de Igualdade) critica resolução do Contran que traz regras restritivas às faixas elevadas, dispositivo que garante a travessia segura de pedestres. E surpreende mais uma vez porque já tivemos outras determinações recentemente, como a que instituiu multa a pedestres e ciclistas, desconsiderando a realidade urbana brasileira, que deixa muito a desejar no atendimento aos mínimos direitos destes cidadãos quanto ao uso dos espaços públicos destinados à mobilidade.
Meli Malatesta - Mobilize
créditos - Visão Oeste/Carapicuíba |
E surpreende mais uma vez porque já tivemos outras determinações recentemente, como a que instituiu multa a pedestres e ciclistas, desconsiderando a realidade urbana brasileira, que deixa muito a desejar no atendimento aos mínimos direitos destes cidadãos quanto ao uso dos espaços públicos destinados à mobilidade.
Para começar, vamos resgatar um pouco da história da faixa elevada, que surgiu como um dispositivo no desenho urbano voltado para o “acalmamento” do tráfego, ou traffic calming. Juntamente com outros dispositivos, como o avanço de calçada (alargamento da calçada para reduzir a extensão de via a ser atravessada pelo pedestre), o refúgio (uma ilha situada no eixo da via, que permite ao pedestre administrar melhor a brecha veicular para realizar a travessia em casos de vias de mão dupla ou muito largas) e as chicanas (o redesenho da pista criando traçado sinuoso que obriga à redução da velocidade veicular), a faixa elevada é, como o próprio nome indica, a elevação da pista veicular nos locais de travessia dos pedestres, na mesma altura da calçada.
Com este formato ela consolida o conceito de total prioridade do pedestre na travessia, ao proporcionar a continuidade do plano da calçada. Ao mesmo tempo obriga o condutor a reduzir a velocidade de seu veículo, por partir do mesmo princípio do redutor de velocidade conhecido como lombada, ou “guarda deitado”, como também é chamado.
Cada vez mais numerosas nas cidades brasileiras, juntamente com os demais princípios do tráfego acalmado, as intervenções na via utilizando faixas elevadas foram sendo implantadas e cadastradas no Contran como projetos pilotos. Até que em 2014 foram finalmente oficializadas como dispositivo de travessia, por meio da Resolução nº 495 do Contran.
Essa resolução, além de estabelecer normas relativas à dimensão e sinalização da faixa elevada, estabeleceu critérios para sua utilização, regulamentando a velocidade veicular máxima de 40 km/h. Os impedimentos à sua utilização limitavam-se aos seguintes quesitos: curva ou interferência que comprometa a visibilidade, rampas superiores a 6%, salvo se justificada pelo órgão de trânsito local, pista não pavimentada e não existência de calçadas (Art. 4º e 5º Resolução 495/2014).
A nova resolução que invalida a anteriormente citada tem como ponto positivo a preocupação com aspectos de drenagem e especificações mais detalhadas do projeto da faixa elevada, resultado do desempenho das já implantadas. Entretanto, como aspecto preocupante, ela institui uma série de novas restrições ao uso de um dispositivo que tem se mostrado tão eficiente para apoiar com segurança a travessia dos pedestres.
Muitos dos incisos do Art 5º criam uma série de impeditivos e dificuldades que, além de inibirem o uso da faixa elevada em futuras situações, ameaçam a existência de uma série de dispositivos deste tipo já implantados e que tem se mostrado com bom desempenho, sem registro de acidentes veiculares e atropelamentos. Como exemplo citamos os seguintes:
III – em via rural, exceto quando apresentar características de via urbana: em muitas cidades brasileiras vias rurais são itinerários de transporte coletivo ou tem ao longo de seu traçado a existência de pólos de viagens a pé como escolas rurais ou outros pontos de interesse sem que por este motivo se tornem urbanas;
V – em via com faixa ou pista exclusiva para ônibus: cabe lembrar que as redes de transporte coletivo são alimentadas pelas redes de mobilidade a pé, ou seja, o usuário do transporte coletivo, o passageiro, é antes e depois de terminar sua viagem de ônibus, u pedestre que necessita realizar travessias destas vias;
VIII – em curva ou situação com interferências visuais que impossibilitem a visibilidade do dispositivo à distância: há vários casos implantados nesta situação e que não ofereceram até o momento risco de acidentes, até porque a faixa elevada é uma lombada muito suave. O cumprimento do disposto neste inciso poderá desviar a localização da travessia elevada do local de continuidade do trajeto a pé e, portanto, o local onde o pedestre deseja atravessar, ocasionando sua rejeição e desrespeito.
IX – em locais desprovidos de iluminação pública ou específica: o cumprimento desta exigência poderá deixar locais de interesse desprovidos de faixa elevada, mesmo considerando o tipo de material que é utilizado para a pintura da faixa e a obrigatoriedade de uso do farol no período noturno pelo condutor. Neste caso então também não se sinaliza com faixa de travessia normal?
XI – defronte à guia rebaixada para entrada e saída de veículos: é muito complicado o convívio com este impeditivo porque a regulamentação de rebaixamento de guia para saída do lote privado é estabelecida geralmente pelos códigos de obras dos municípios (alguns nem tem) e é mais do que sabido que se extrapola no rebaixo da guia defronte aos lotes com os mais variados usos e pelos mais variados motivos. Os postos de gasolina e outros tipos de estabelecimentos comerciais confirmam a prática.
Além destes mencionados há outros (incisos IV, VI, XII), que, por depender de estudos de engenharia de tráfego, colocam a mercê da tecnologia de trânsito a maior ou menor boa vontade em garantir a prioridade do pedestre garantida pela legislação de trânsito (CTB) e pela PNMU (Lei Federal de Mobilidade Urbana).
Fluidez ou segurança?
Assim teremos que tentar salvar nossos locais seguros de travessia, proporcionados pelas faixas elevadas já implantadas nas cidades brasileiras. Temos como prazo o dia 30 de junho do próximo ano, dado pelo Contran, para os municípios se adequarem às normas propostas pela nova resolução. Ou sonharmos com saudades das ótimas intervenções de proteção de travessia, que nunca causaram maiores problemas quanto à ocorrência de acidentes veiculares e atropelamentos, e que foram suprimidas.
Ao que tudo indica, as dificuldades criadas para a adoção de um dispositivo tão eficaz para a Rede da Mobilidade a Pé, como a faixa elevada, só faz sentido porque certamente compromete a fluidez do fluxo veicular que “não pode ser prejudicado”. Até o quanto e quando não sabemos. Só testemunhamos, dia após dia, cidades brasileiras que tanto privilegiam o automóvel cada vez mais paradas...
Fonte - Mobilize 12/09/2018
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