Ponto de Vista 🔍
O PIS/Pasep, um fundo também criado para proteger o trabalhador e financiar o desenvolvimento econômico do país, acaba por ser deturpado e utilizado, enquanto direito que é do trabalhador, para saldar uma conta que também não é sua: promover alguma melhora pífia e rápida na atividade econômica, antes do fechamento do ano e da divulgação dos resultados do presente e odiado governo.
Gabriel Quatrochi*
Portogente 22/12/2017
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O Programa de Integração Social (PIS) e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) são fundos de formação do patrimônio do trabalhador, criados no início da década de 1970. Estão inseridos num importante contexto histórico no qual, de 1930 à Constituição de 1988, a inspiração são os modelos europeus de Estado de Bem-estar Social, e promovem, no Brasil, a regulação das relações sociais e econômicas através de um Estado fortemente atuante, pela via das políticas sociais. É desse longo período que resultam direitos conquistados pela trabalhadora e trabalhador brasileiros, como a CLT, o FGTS e o próprio PIS/Pasep.
Até 1988, cada trabalhador tinha como se fosse uma “conta” do PIS (funcionários do setor privado) e do Pasep (setor público) em seu nome, uma espécie de “poupança compulsória” que era sacada todos os anos, dentro de determinadas regras.
Com a criação do Orçamento de Seguridade Social, para financiar o modelo tripartite proposto pela Constituição, os dois fundos são, então, unificados da forma como o conhecemos hoje, e essas contas individuais deixam de vigorar porque os fundos são alocados, a partir daí, para o FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, com um objetivo maior: financiar o seguro-desemprego e o abono salarial aos trabalhadores de baixa renda, além de permanecer como fundo para os programas de desenvolvimento econômico do BNDES. Desde então, 40% dos recursos do PIS/Pasep continuam destinados ao BNDES e 60% passam a ser alocados para o seguro-desemprego e o abono salarial.
Fica claro: o que o atual governo está fazendo, então, é, simplesmente, instituindo uma medida provisória que faz apenas a organização do calendário e das regras para acesso ao que já é de direito dos trabalhadores que possuíam essas contas individuais em seus nomes até 1988 e que, por desconhecimento ou por ainda não terem se aposentado, não o haviam sacado.
Uma recente auditoria da Controladoria Geral da União revelou que cerca de 15 milhões de brasileiros desconheciam o dinheiro e o direito ao saque. A população se questiona e a mídia especula sobre quais seriam os impactos do saque das cotas do PIS/Pasep sobre o nível de consumo.
Deve-se levar em conta, primeiro, que as quantias de saque não são altas – a média de valores gira em torno de R$ 1.200, sendo a grande maioria, na verdade, abaixo dessa média, com saldo de R$ 750. Segundo, há uma conjuntura mais geral em que o nível de inadimplência das famílias ainda é alto.
Exemplo disso são as intensas campanhas de renegociação de dívidas dos bancos que, por um lado, encurralam o consumidor e, por outro, pisam bruscamente no freio do crédito – ainda que, pasmem, os maiores “problemas” dos grandes bancos no país pareçam ser a confortável folga de capital que têm operado.
Então, trazendo esse contexto para a perspectiva de consumo, tem-se um cenário em que os baixos valores de saque são constrangidos por uma grande parcela dos beneficiários que se encontra “no vermelho”. Não se podem esperar efeitos relevantes no consumo sustentado e de longo prazo, simplesmente porque o saque do PIS/Pasep não entra para o cálculo de componente fixo da renda do trabalhador. Fomento do nível de emprego de qualidade, carteira assinada, política de valorização da renda do trabalho são alguns exemplos de medidas capazes de sustentar o consumo em médio/longo prazo e que não se encontram na agenda do atual governo.
Mais importante que essas questões, e é o que se quer salientar ao trabalhador e trabalhadora que nos lê, está no caráter profundamente contraditório dessas medidas, assim como o foi com o saque do FGTS. Para o FGTS, um fundo criado para proteger o trabalhador, lhe fornecer uma poupança quando se aposentar, ou contribuir na conquista de sua casa própria, acaba sendo distorcido e liberado para que o trabalhador pague uma conta que não é sua: o desemprego e a crise econômica.
Enquanto sacamos os saldos das nossas contas inativas, assistimos à retração do crédito imobiliário pela Caixa, crédito este financiado, justamente, com os recursos do FGTS. Definitivamente, a isso não se pode dar o nome de política econômica.
Da mesma maneira, o PIS/Pasep, um fundo também criado para proteger o trabalhador e financiar o desenvolvimento econômico do país, acaba por ser deturpado e utilizado, enquanto direito que é do trabalhador, para saldar uma conta que também não é sua: promover alguma melhora pífia e rápida na atividade econômica, antes do fechamento do ano e da divulgação dos resultados do presente e odiado governo.
Devemos ter em conta que a manutenção de fundos como o FGTS e o PIS/Pasep são altamente cíclicos porque dependem da dinâmica econômica e, sobretudo, do nível de emprego formal, de onde vêm as contribuições. Por isso, muito mais importante que acompanhar o nível de consumo com a liberação dos saques, é acompanhar o nível de formalidade e de renda no mercado de trabalho, sobretudo depois da reforma trabalhista, quando os autônomos, intermitentes, parciais e demais formas de contratação precárias regulamentadas diminuem os recolhimentos do FGTS e do PIS/Pasep – seja pela não obrigatoriedade em alguns casos, ou pela redução das jornadas e rendas, em outros.
São formas de contratação que dizimam, por completo, as possibilidades de efetividade das políticas sociais, tão importantes e que foram conquistadas pela sociedade e por todos nós, trabalhadores, ao longo da nossa história.
*Gabriel Quatrochi é economista e mestrando do Instituto de Economia da Unicamp
Fonte - Portogente 25/12/2017
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