Ponto de Vista 🔍
Não se tratam apenas de situações isoladas, mas de ataques cotidianos, e algumas ocorrências recentes corroboram a percepção de que a democracia se enfraquece, ao mesmo tempo em que um Estado cada vez mais autoritário vai ganhando espaço.
Por Pedro Estevam Serrano* - Portogente
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Não se tratam apenas de situações isoladas, mas de ataques cotidianos, e algumas ocorrências recentes corroboram a percepção de que a democracia se enfraquece, ao mesmo tempo em que um Estado cada vez mais autoritário vai ganhando espaço.
Ao recusar reclamação feita pelos advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra o juiz Sérgio Moro, sob alegação de que a Operação Lava Jato “não precisa seguir as regras dos processos comuns”, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região declara formalmente tal juízo como uma fonte de exceção, e não como uma fonte de Direito, o que deveria, no mínimo, causar desconforto na sociedade.
No campo dos poderes executivos, tais medidas também têm sido comuns. A infiltração de um capitão do Exército entre estudantes que se organizavam para participar de um protesto contra o presidente Michel Temer, no início de setembro, em São Paulo, também foi constatada sem grandes repercussões.
É importante observar que um agente do Estado realizou ações de espionagem contra um movimento pacífico de caráter reivindicatório, o que atenta contra os valores da nossa Constituição e pode, inclusive, caracterizar-se como ilícito penal face a lei de abuso de poder.
Cabe apontar ainda que a atividade de espionagem é instrumento utilizado em situação de guerra entre Estados. Usada no âmbito interno, no entanto, configura-se como prática tipicamente de exceção.
Os movimentos sociais e seus agentes são tratados não mais como cidadãos que têm o legítimo direito de se expressar e reivindicar, mas como inimigos. Existe uma força de exceção pronta a combatê-los. Ressalte-se que a democracia tal qual conhecemos hoje foi uma construção justamente dos movimentos sociais, que sempre lutaram pela ampliação de direitos e das liberdades democráticas.
A essa tendência crescente de suspensão do direito de reunião e de manifestação política das pessoas soma-se a expansão da Polícia Militar como força de ocupação territorial, sobretudo das periferias, com vistas a estabelecer um estado de exceção permanente nas áreas dominadas pela pobreza, onde os direitos mais elementares, como o de livre circulação, são suspensos.
Essa expansão se dá tanto através de medidas judiciais, como a que anulou a sentença de condenação aos policiais que participaram da chacina do Carandiru, quanto por intermédio do Executivo, que investe em um sistema de segurança beligerante.
Os valores gastos pelo governo do Estado de São Paulo com armamentos entre janeiro e outubro deste ano superaram em 136% os gastos de todo o ano passado. Foram mais de 97 milhões de reais em materiais bélicos, explosivos e munição, contra 41 milhões de reais em 2015.
Esse aumento se deu em um momento de grave crise econômica, em que o governo apoiado pelo partido do governador propõe o congelamento de gastos públicos com serviços essenciais de saúde e educação.
Já a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, convocou as Forças Armadas para discutir um plano emergencial para a área de segurança pública, o que é inconstitucional e descabido. Além de não ser papel do STF cuidar de segurança pública, as Forças Armadas não foram concebidas para atuar nesse contexto, mas em ambiente de guerra.
Também neste caso não se viu qualquer manifestação de surpresa; ao contrário, sempre que se fala em intensificar a repressão, há uma parcela considerável da sociedade que aplaude e, assim, legitima tais práticas.
Chama a atenção ainda o fato de que embora, nos últimos anos, o País tenha avançado muito na punição de crimes contra o Estado, principalmente crimes de corrupção, os crimes cometidos pelo Estado contra o cidadão, na maior parte das vezes, ficam impunes.
O abuso de poder e de autoridade são recorrentes e ainda que setores incluídos economicamente e sabidamente progressistas estejam cada vez mais sendo vítimas desse autoritarismo, nas periferias das grandes cidades essa sempre foi a regra vigente.
O Brasil vive um momento perigoso e triste de crescimento acelerado de medidas próprias de um Estado de exceção, que estão sendo praticadas cotidianamente e, o que é mais grave, naturalizadas. Nossa incipiente democracia vai assim se esfacelando e se transformando em uma maquiagem, que confere a aparência de um Estado democrático, mas ao invés de ampliar e efetivar direitos, os suprime paulatinamente.
*Pedro Estevam Serrano é advogado, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC/SP com pós-doutorado pela Universidade de Lisboa. Artigo publicado originalmente na revista Carta Capital.
Fonte - Portogente 17/11/2016
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