Transportes sobre trilhos 🚂🚃🚃🚃🚃
Aqui no Brasil o que se viu foi a destruição econômica e social de centenas de pequenos lugares, onde o trem de passageiros era ainda a forma mais resistente de acesso e conectividade, e a eliminação de um organizado serviço de transporte, com comodidades que hoje parecem inacreditáveis, e de toda a cadeia tecnológica empregada na sua prestação, passando pelo conhecimento materializado nas atividades de projeto, operação, regulação e manutenção
Ayrton Camargo e Silva* - Abifer
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foto - ilustração/arquivo |
Anos atrás, não houve quem não se emocionasse ao ver o resultado das atrocidades cometidas durante a guerra da Bósnia-Herzegovina, o maior conflito europeu do século XX, depois da II Guerra Mundial.
Diariamente, milhares de inocentes eram mortos, unicamente por pertencerem a uma religião ou etnia diferente daquelas dos poderosos que manejavam os botões desse jogo de extermínio.
Além dos relatos dos sobreviventes, os principais testemunhos dessa tragédia foram as construções, arruinadas em maior ou menor grau, com desabamentos, marcas de incêndio, roubo de partes antes intactas, algumas de importância única para a cultura de seu povo, destruídas para sempre.
Bem longe de lá, aqui no Brasil, outra ação destrutiva de impacto semelhante se abateu sobre a infraestrutura do transporte ferroviário de passageiros de longa distância que resistira em operação até meados da década de 90 passada. Ao contrário de bombardeios e morte física de inocentes, o que se viu foi a destruição econômica e social de centenas de pequenos lugares, onde o trem de passageiros era ainda a forma mais resistente de acesso e conectividade, e a eliminação de um organizado serviço de transporte, com comodidades que hoje parecem inacreditáveis, e de toda a cadeia tecnológica empregada na sua prestação, passando pelo conhecimento materializado nas atividades de projeto, operação, regulação e manutenção.
Só para citarmos esse serviço no estado de São Paulo, no início dos anos 90, a operadora estatal Fepasa operava trens de passageiros em quase toda sua malha de 5.100 km de extensão, atendendo aproximadamente 300 estações em diferentes localidades dos 570 municípios então existentes. Dessa malha, mais de 1.000 km eram eletrificados, com infraestrutura concebida ainda na década de 50 para a operação de trens com velocidade média superior a 120 km/h. Vale destaque para o trecho eletrificado com duas vias entre Jundiaí e Campinas, por onde chegaram a trafegar diariamente mais de 60 trens de passageiros.
Ao seguirmos pelos eixos das grandes linhas da Fepasa, em especial nos seus antigos troncos eletrificados, o que se vê é um rastro de abandono e destruição, com pátios, oficinas, armazéns, e sobretudo estações, abandonadas e destruídas, muitas delas tombadas como patrimônio histórico. E também com a remoção de toda a catenária dos trechos eletrificados e a paralisação da larga rede de subestações que a alimentava. Como que fosse necessário apagar da memória, não só toda a tecnologia sofisticada e pioneira que caracterizou as ferrovias em São Paulo e seus serviços de trens de passageiros, mas sobretudo as provas materiais de que esse serviço um dia existiu mesmo.
Esse terrível acervo mutilado e destruído nos faz refletir sobre o propósito e as consequências dessa guerra vitoriosa, que conseguiu exterminar os serviços de trens de passageiros de longa distância do Brasil, sem ser disparado um tiro sequer.
E que levou junto a perspectiva de uma vida melhor para milhões de viajantes que seguem órfãos desse tipo de serviço, tão essencial para a eficiência da economia regional e para a qualidade de vida de seus moradores.
* Diretor de Planejamento de Transportes da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô (AEAMESP) e diretor-presidente da Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (EMDEC).
Fonte - Abifer 15/02/2021
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