Ponto de Vista 🔍
A história recente já nos ensinou que formas autoritárias no Brasil não garantem desenvolvimento econômico em harmonia com avanços sociais tão característicos do mundo desenvolvido e, muitos menos, transparência dos negócios nacionais entre mercado e Estado.
Rafael da Silva Barbosa - Portgente
Rafael da Silva Barbosa/Economista |
Ainda: “Mas observa-se, hoje em dia, que a toda hora se levantam bandeiras dos direitos, mas para que possamos usufruir desses direitos há necessidade de que cumpramos nossos deveres. Nessas horas lembramos as palavras do ex-presidente norte-americano, John F. Kennedy, ‘Não perguntes o que a tua pátria pode fazer por ti. Pergunta o que tu podes fazer por ela’”.
A posição oficial da instituição é extremamente preocupante e traz consigo importantes reflexões sobre a história geral e recente do Brasil. A primeira, que dentro do contexto dos estados nação modernos, o Brasil foi o país que mais preservou uma sociedade dos deveres. Ou seja, o princípio do “dever” foi o valor mais presente ao longo da história do país, onde a maior parte dos habitantes, por um bom período, tinha o “dever” de trabalhar compulsoriamente sem qualquer direito, sendo o país do mundo que mais conservou o regime escravista por longos 350 anos.
A segunda é que mesmo restrito a segurança pública, o país tem baixo cumprimento dos 18 tratados de direitos humanos. Embora o Brasil assine todos os tratados, a sua execução e acreditação é baixa. Ao comparar com os Estados Unidos, por exemplo, o país citado assina entre 10 a 14 tratados, mas sua execução é quase plena. Em outras palavras, diferentemente do Brasil, que na lei registra uma quantidade satisfatória de garantias, mas que, ao fim ao cabo, se torna letra morta legal, nos EUA o que está em lei é razoavelmente cumprido.
Logo, a questão não parece ser a quantidade, que está de acordo com os padrões internacionais, mas sim a execução. Assim, na prática, a quantidade de “direitos” tem pouco impacto na proteção do cidadão em relação a possíveis abusos de autoridade no Brasil.
E as críticas desconstrutivas à Magna Carta: “como repleta de direitos”, não fazem sentido, seja em termos práticos ou históricos.
Isto porque, grande parte das suas determinações não é posta em prática e, historicamente, em função do nosso grande passivo histórico, a Constituição Cidadã de 1988 apenas conferiu os direitos básicos secularmente negados à população brasileira. Direitos esses conquistados pelos países desenvolvidos no início do século passado.
O que implicou, em última instância, na qualificação dos “deveres” nacionais, visto que o “direito” não elimina a noção do “dever”, apenas o qualifica em outra dimensão. Quer dizer, o “direito” na verdade ratifica o “dever” de cada agente social no modo de agir, assegurando, assim, de forma ética e civilizada as ações perante aos desafios nacionais, promovendo o aspecto democrático do desenvolvimento para sua maior legitimação.
Com relação à segunda afirmação, a instituição apresenta certa razão, mas não há como negar que tanto no governo Fernando Henrique Cardoso quanto nos períodos Lula e Dilma houve projetos claros. No primeiro, era nítido a promoção do Estado mínimo como projeto de desenvolvimento de país, enquanto para os últimos colocavam-se em prática um reformismo do Estado de bem-estar com reforço das políticas sociais. Em ambos, houve protagonismos e lideranças evidentes, a questão é que diante do desenvolvimento democrático e avanço social consistente, forças do atraso desferiram um golpe interrompendo nossa jovem democracia.
A história recente já nos ensinou que formas autoritárias no Brasil não garantem desenvolvimento econômico em harmonia com avanços sociais tão característicos do mundo desenvolvido e, muitos menos, transparência dos negócios nacionais entre mercado e Estado. A tese de doutorado de Pedro Henrique Campos, “A Ditadura dos Empreiteiros”, é reveladora nesse sentido. Segundo ele:
Já na ditadura, principalmente nos anos mais fechados, foram vistas poucas acusações contra impropriedades cometidas por construtoras, o que evidencia obviamente não o menor número de casos, mas o amordaçamento dos mecanismos de fiscalização e divulgação das irregularidades, que, crê-se, eram até mais frequentes que nos períodos de maior abertura política. (Campos, 2012, p. 493).
Dessa forma, em períodos de obscurantismo, os órgãos fiscalizatórios que garantem transparência aos processos públicos entre o mercado e Estado não funcionam, o que dá uma falsa sensação de legalidade a processos não auditados de forma independente.
Por isso, diante disto, ficam as perguntas: Qual Brasil potência queremos? Aquele em que todos participam ou apenas um grupo? Que persiste na democracia ou abdica?
Ainda é um debate...
*Rafael da Silva Barbosa é economista e doutorando em Desenvolvimento Econômico da Unicamp
Fonte - Portogente 23/03/2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pela sua visita, ajude-nos na divulgação desse Blog
Cidadania não é só um estado de direito é também um estado de espírito