Ponto de Vista 🔍
Foi assim que este sistema político foi adotado em 1961, quando as elites conservadoras deram o golpe do parlamentarismo para barrar o governo progressista de João Goulart, que chegou ao poder por meio do voto (na época, o vice era eleito separadamente). E é assim que a proposta ganha força no pós-golpe de 2016, quando os filhos e netos daquelas mesmas elites voltam a temer o resultado das urnas em 2018.
Maurício Moraes* - Portogente
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Foi assim que este sistema político foi adotado em 1961, quando as elites conservadoras deram o golpe do parlamentarismo para barrar o governo progressista de João Goulart, que chegou ao poder por meio do voto (na época, o vice era eleito separadamente). E é assim que a proposta ganha força no pós-golpe de 2016, quando os filhos e netos daquelas mesmas elites voltam a temer o resultado das urnas em 2018.
Ocorre que o parlamentarismo que se quer instalar por aqui é um sistema às avessas, que em nada se parece à funcionalidade política da Inglaterra, onde a ideia teve origem e de onde se espalhou, mundo afora.
Antes de falar do avesso, uma defesa do parlamentarismo. A princípio, trata-se de um sistema mais lógico que o presidencialismo de estilo norte-americano adotado parcialmente por aqui. Afinal, durante a eleição vota-se em um partido com uma proposta clara. Urnas apuradas, o partido vencedor indica o primeiro-ministro ou lidera uma coalizão que garanta a maioria do parlamento e a estabilidade do governo.
Logo, no parlamentarismo, todo governo, via de regra, tem a maioria dos deputados. A compra descarada de votos não faria mais sentido. E o dia em que o primeiro-ministro não puder reunir os votos necessários para aprovar suas propostas, o governo cai, novas eleições são convocadas e vida que segue. Primeiro-ministro derrubado, primeiro-ministro posto, sem hematomas e sem ninguém para gritar que foi golpe.
A atual proposta, no entanto, é grotesca porque já nasce com um vício de origem. Afinal, não existe parlamentarismo sério se não existir um sistema partidário igualmente sério. Em qualquer país parlamentarista, o eleitor vota em um partido, em um conjunto de ideias. E o que se vê é a tentativa de adotar o parlamentarismo justamente quando se implode o já combalido sistema partidário no Brasil.
A implosão dos partidos atende pelo nome de “distritão”, a anomalia recém-aprovada em comissão da Câmara, e que pode valer já nas eleições do ano que vem. Explico: no “distritão” são eleitos os deputados mais votados em cada estado. Logo, teremos um Congresso de políticos profissionais e subcelebridades, sejam religiosos, ex-jogadores de futebol, youtubers e qualquer um que reunir uma imensidão de votos para se eleger praticamente sozinho. Quem vai colocar rédeas em deputados eleitos por luz própria?
O “distritão” até parece democrático, afinal, o voto do eleitor não será usado para eleger outros candidatos da mesma coalizão, como ocorre no atual sistema proporcional. Vide Tiririca, que levou junto consigo mais três deputados.
Ocorre que o tom personalista desse sistema é justamente o inverso da essência do parlamentarismo, que são partidos fortes, onde impera o centralismo democrático. Com o “distritão”, valerá a lógica de cada cabeça, uma sentença, e um preço para votar junto com o governo e manter o primeiro-ministro.
E assim, nosso parlamentarismo às avessas será totalmente volátil e nenhum primeiro-ministro irá se manter caso não compre seus deputados. Será o triunfo do baixo clero, sempre disposto a negociar seus votos com os donos do poder. Do jeito que se anuncia, o sistema interessa apenas a quem tem dinheiro suficiente para comprar os votos no Congresso, mas nunca terá os votos suficientes para eleger o presidente da República.
Nos países que adotam o parlamentarismo, a tendência é o “voto em lista” (quando se vota diretamente no partido, que por sua vez vai indicar os deputados a serem eleitos a partir de critérios internos), caso da Espanha. Ou então o “voto distrital”, quando cada distrito elege seu representante (nesse caso, prevalecem os “deputados-vereadores”, que fazem política ao redor de interesses locais, e desaparecem os deputados formadores de opinião ou setoriais, que cuidam de agendas mais amplas ou que representam grupos específicos, como LGBTs, professores, militares, etc), caso da Inglaterra. E há ainda o sistema “distrital misto”, quando parte dos deputados é eleito via distrito e outra parte por voto em lista, como na Alemanha.
Particularmente, defendo o voto em lista ou, no máximo, o distrital misto, justamente por reforçarem os partidos, permitir maior representatividade da sociedade e por aplacar as negociatas no Congresso. Nesses casos, uma consequência seria a diminuição de partidos, afinal podem existir dois, três ou quatros projetos de país, nunca mais de 30 (que é o número de partidos existentes hoje no Brasil).
Embora tenha simpatia pelo parlamentarismo, não acho que funcionaria no Brasil. Gostamos, por aqui, de líderes fortes, presidentes quase imperadores. E gostamos de votar diretamente em quem irá nos governar. Além disso, o parlamentarismo foi rechaçado nas urnas em duas votações populares.
Por fim, vale lembrar que o parlamentarismo às avessas de Michel Temer tampouco é uma ideia original. Era chamado exatamente assim durante o Império, quando o imperador tinha a chefia do Estado e o presidente do Conselho de Ministros (o primeiro-ministro) tinha a chefia do governo
Na época, ganhou o apelido de parlamentarismo às avessas porque, em terras brasileiras, além dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) criamos um quarto – o poder Moderador, que ficava nas mãos do imperador. Na prática significava que, se nada desse certo, o monarca poderia intervir e impor sua vontade.
Na versão Michel Temer do parlamentarismo às avessas não consta o poder Moderador. Mas não se enganem – os compradores de deputados e donos do poder vão dar a última palavra. Se hoje os deputados pouco representam a sociedade, a coisa será pior no caso do parlamentarismo com “distritão”. Por isso, podemos gritar, desde já, que é golpe! E dos bem articulados.
*Maurício Moraes é jornalista e mestrando em Administração Pública no King's College (Londres)
Fonte - Portogente 18/08/2017
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