Por: Wagner Iglecias* Especial para o Maria Frô
Gari que, diante do “keep away” do segurança britânico, lhe estendeu a mão e lhe puxou para o samba. E que logo depois, do alto de sua vassoura, como diria Boris Casoy, lhe mostrou a complexidade cultural do país que será a sede da próxima Olimpíada: índios, Yemanjá, capoeiristas, samba, maracatu, o malandro da Lapa, o calçadão de Copacabana, Villa Lobos…
Lembro do tempo em que nosso projeto de país era ingressar no “Primeiro Mundo”. Era esta a nossa ilusão, envergonhada ou nem tanto, há duas décadas. Mal saíamos da ditadura, consagrávamos uma Constituição prenhe de direitos sociais e já dávamos de cara com o jogo duro, duríssimo, do neoliberalismo anglo-saxônico, que inclusive chegava até tardiamente nestas terras, se comparado ao que já se passava em outras partes da América Latina.
Pois bem, os tempos mudaram, e o Brasil se mostrou ao mundo, nesta cerimônia de Londres, pela figura de um homem negro, pobre e trabalhador, que abre os braços e um sorriso largo àquele que lhe é diferente. Países e sociedades, obviamente, criam e recriam imagens de si mesmos, inventam e reinventam o modo como se vêem e como querem ser vistos pelo mundo. Assim como os USA se idealizam para si e para o mundo como a pátria da liberdade, nós nos idealizamos como o país da convivência pacífica entre os diferentes. O que, pelo menos no nosso caso, a realidade todos os dias se encarrega de questionar e tantas vezes desmentir.
Há quem torceu o nariz para aquilo que entendeu como uma representação clichê da cultura brasileira e da complexidade de nossa sociedade nesta cerimônia. Como se a Rainha Elizabeth II, o agente 007 e Pink Floyd não fossem também, neste sentido, meros clichês nos Jogos de Londres, posto que ícones reconhecidos mundialmente como pertencentes à cultura britânica. A discussão de como nos mostraremos ao mundo na cerimônia dos Jogos do Rio 2016 deverá se estender pelos próximos anos, e deverá ser acalorada. Eu, do meu lado, quero mais é ver o povo brasileiro sendo mostrado para o mundo. E, mesmo sabendo de nossas tantas mazelas e dos tantos obstáculos que fazem as relações entre os brasileiros, das mais variadas cores e classes, não ser lá tão pacíficas, quero poder continuar acreditando, como disse Darcy Ribeiro, que a boa convivência talvez venha a ser a grande herança que o Brasil legará ao mundo. Já em relação àqueles que se incomodaram com o gari brasileiro em Londres, tudo o que posso dizer é a frase de Cazuza que me veio à cabeça: “são caboclos querendo ser ingleses”. Viva o Brasil !!!
*Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
Fonte - Do Blog Maria Fôr 12/08/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pela sua visita, ajude-nos na divulgação desse Blog
Cidadania não é só um estado de direito é também um estado de espírito