Os debates sobre cidades mais sustentáveis e inteligentes avançavam no país, apesar da iminente degradação do ambiente de negócios.De súbito, no entanto, os bons ventos mudaram de direção. E o que era deixou de ser.Em 2014, a crise econômica varreu os desejos coletivos de melhorias no transporte, segurança e educação. A luta agora era para proteger o que cada um já tinha conquistado para si. Com a corda no pescoço, o caráter propositivo das manifestações do ano anterior foi reduzido a pó e deu lugar à falta de perspectiva entre os brasileiros.
Instituto de Engenharia
foto - ilustração/arquivo |
Na época, eu trabalhava na França, de onde tinha a percepção de que o Brasil finalmente decolava rumo ao futuro. A efervescência de uma nova classe média exigindo melhores serviços era sedutora. Era o gatilho para rediscutir a vida nas nossas cidades, cujo crescimento desordenado as transformou em espaços caóticos. E também para criar cidades mais inteligentes, sustentáveis e justas – enfim, com mais qualidade de vida.
Naquele ano, ganharam forma algumas propostas de grandes intervenções destinadas a repensar espaços urbanos degradados. Uma delas foi o Projeto Porto Maravilha – da prefeitura do Rio de Janeiro em parceria com a iniciativa privada –, cujo objetivo era revitalizar a região portuária e conectá-la ao centro da cidade.
O projeto contemplou a mobilidade urbana, privilegiando o transporte coletivo, a conexão inteligente entre diferentes modais e a construção de um sistema de VLT. Este deu origem ao VLT Carioca – um meio de transporte moderno e integrador e que favoreceria a criação de mais espaços para a circulação de pedestres, a revitalização também do centro histórico e a atração de usuários do transporte privado.
Na região portuária, foram previstos ainda obras de reurbanização, melhorias na infraestrutura, requalificação de áreas de moradia, serviços de iluminação pública e coleta de lixo, bem como ações de engajamento junto à comunidade.
Os debates sobre cidades mais sustentáveis e inteligentes avançavam no país, apesar da iminente degradação do ambiente de negócios.
De súbito, no entanto, os bons ventos mudaram de direção. E o que era deixou de ser.
Em 2014, a crise econômica varreu os desejos coletivos de melhorias no transporte, segurança e educação. A luta agora era para proteger o que cada um já tinha conquistado para si. Com a corda no pescoço, o caráter propositivo das manifestações do ano anterior foi reduzido a pó e deu lugar à falta de perspectiva entre os brasileiros.
A bola da vez passou a ser o combate à corrupção – apresentada como a ‘responsável’ por todas as mazelas da população. Em vez de se discutir como otimizar o transporte público, por exemplo, a opção foi colocar na conta da corrupção toda a culpa pelo alto preço das tarifas.
Em 2015, já de volta ao país, meu olhar – outrora de espectador – recaiu sobre a realidade imposta pela crise. Quanto mais ela avançava, mais eu me convencia de que vivíamos a ressaca dos anos de crescimento.
De lá para cá, o Brasil que estava prestes a abraçar o futuro virou uma nação sem futuro. Nas discussões sobre políticas públicas e transformações urbanas, regredimos.
Há muitas e ótimas ideias e ações de intervenção, mas elas têm abrangência local e não estão sendo capazes de ganhar escala a ponto de transformar nossas cidades e suas disfuncionalidades.
Afinal, já dizia a imortal frase do arquiteto Daniel Burnham: “Não faça planos pequenos. Eles não têm mágica para agitar o sangue dos homens e, provavelmente, não serão realizados.”
A transformação de Medellín, considerada a cidade mais violenta do mundo no início dos anos 1990, é a prova de que mudanças significativas demandam ambição e horizontes mais amplos.
No redesenho da cidade colombiana, a mobilidade foi ferramenta-chave para promover equidade e mais justiça social. Sistemas integrados de transporte público foram planejados para manter a cidade em movimento e conectar os bairros isolados – por excelência, os mais empobrecidos e os dominados pelo tráfico.
O destaque ficou por conta do investimento em linhas de metrô, teleféricos, VLP (sistema similar ao VLT, mas com tração sobre pneus – necessários devido ao relevo da linha), pontes e escadas rolantes, em torno dos quais foram criados praças, bibliotecas, centros culturais, entre outros pontos de convívio social. Nascia ali uma nova forma de ocupar e experimentar Medellín – com base nas demandas da própria comunidade.
Tudo isso só reforça a tese de que são necessários grandes sonhos para impulsionar as verdadeiras transformações.
Aqui no Brasil, entretanto, eles continuam sequestrados pelos discursos de combate à crise e à corrupção. Enquanto as cidades do mundo inteiro discutem mobilidade, segurança, acessibilidade e redução de emissões, as nossas ainda enfrentam um vácuo de planejamento.
Investir em transformação urbana é impulsionar a produtividade e inclusão social. É tornar nossas cidades mais resilientes, seguras e inteligentes. É fomentar a inovação.
Para isso, precisamos de ambição. Temos que redespertar, superar os anos perdidos e retomar do ponto em que paramos. Motivos para repensar nossas relações com as cidades é o que não nos falta!
*Cristiano Lopes Saito é engenheiro de produção especializado em políticas públicas e inovações urbanas. Tem mais de 20 anos de experiência no planejamento de estratégias de desenvolvimento de infraestrutura, mobilidade urbana e energia, com vivências na América Latina e Europa. Cursou especializações no Brasil e no exterior, com graduação pela Poli-USP. - 05/08/2019
Fonte - Abifer 09/08/2019
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