quarta-feira, 7 de maio de 2014

Aumento da violência e do trabalho infantil preocupa comunidade em Salvador

Direitos humanos

Em Saramandaia, um jovem de 12 anos que trabalha com o pai conta que sai para vender bebidas no contra-turno escolar depois de “bater um baba”- forma como os baianos chamam uma partida de futebol. “Vou para lá [para o ponto às] 17h30. Jogo só um baba e vou para o ponto. Fico até às 22h. Quando chego, faço o dever de casa”, revelou.

Isabela Vieira
Enviada Especial - Agência Brasil

A poucos quilômetros da Arena Fonte Nova, estádio que vai receber quatro partidas da Copa do Mundo, Saramandaia é uma entre várias comunidades pobres de Salvador. O nome de novela famosa não ajudou a colocar holofotes sobre os problemas locais. Na comunidade, a preocupação é que, com a proximidade dos jogos da Copa e o aumento de turistas no local, mais crianças passem a vender produtos eletrônicos e bebidas no entorno do estádio e no Shopping Iguatemi, como já ocorrer nos dias de hoje.
Em Saramandaia, um jovem de 12 anos que trabalha com o pai conta que sai para vender bebidas no contra-turno escolar depois de “bater um baba”- forma como os baianos chamam uma partida de futebol. “Vou para lá [para o ponto às] 17h30. Jogo só um baba e vou para o ponto. Fico até às 22h. Quando chego, faço o dever de casa”, revelou.
Com cerca de 70 mil pessoas, Saramandaia sofre com ausência de escolas e de áreas de lazer seguras. O campo de terra batida, ganhou o nome de “Mata a fome”, conta o líder comunitário Abrão Joviniano. “Geralmente, quando as crianças saem da escola, não tem outro campo, outra área de lazer, elas vem para cá brincar de bola, correndo o risco de serem atropeladas porque aqui, na realidade, é um retorno para carro”.
Segundo os jovens de Saramandaia, as escolas da comunidade também estão em situação precária. “Os colégios aqui são todos quebrados. Quando chove a quadra alaga”, disse um dos jovens. Uma outra criança que acompanhava a conversa aproveitou para reclamar do colégio onde estuda, a Escola Municipal Marisa Baqueiro. “A que eu estudo não tem quadra”, contou.
Procurada pela reportagem, a prefeitura da capital baiana não comentou as críticas às escolas da região.
Os altos índices de violência na comunidade motivaram os moradores a organizarem aulas de boxe, de circo e de percussão para os jovens. Assim, nasceu o projeto Arte Consciente que atende a cerca de 100 crianças e adolescentes, em uma casa simples.
“Aqui me dá muita alegria, porque quando eu pego um instrumento, eu me emociono. Aprendo mais, aprendo outros toques que me fazem crescer e me tornar um grande artista”, disse Marcos Antonio Gomes, 13 anos, um dos jovens atendidos pelo programa.
O Arte Consciente dribla a falta de recursos e se prepara para funcionar durante a Copa do Mundo, quando as escolas fecharão as portas e as crianças ficarão sem ter o que fazer. A grande preocupação dos educadores, hoje, é com o trabalho infantil no entorno da comunidade.
“Aqui as atividades continuam. Agora, tem um problema sério: a renda familiar. Mesmo com as nossas atividades, tem alguns alunos que os pais vendem na rua e que não tem jeito, vão levar os filhos”, disse um dos coordenadores Fábio Santos de Jesus.
Os criadores do Arte Consciente sabem como o acesso ao lazer, à cultura e ao esporte são importantes para o desenvolvimento das crianças. Há muitos anos, eles fizeram parte do Projeto Axé, que atende crianças em situação de rua no centro de Salvador há 24 anos.
Às vésperas da Copa do Mundo, o atual coordenador do Projeto Axé, Helmut Schned, acredita no aumento do número de crianças em situação de rua, atraídas pelo Mundial. “Nas ruas eles estão expostos a todo tipo de risco. Seja a exploração como mão de obra ou como exploração sexual, além do risco de se exporem às drogas. De um lado como consumidor, para fugir da realidade, do outro, com o tráfico. Eles são o segmento mais vulnerável.”
Um dos jovens do projeto, aos 16 anos, conta que, entre idas e vindas, está há mais de dez anos nas ruas. Na rampa do Mercado Modelo, na Cidade Baixa, um dos pontos turísticos de Salvador, ele se encontra com outros jovens na mesma situação. Segundo ele, a violência é rotina. “Já recebi mordida de cachorro, cacetada, já racharam minha cabeça. Tomei cacetada aqui hoje do policial. É muita onda, a população discrimina, faz covardia”, relatou.
Outro adolescente do Projeto Axé conta que as crianças ficam expostas na rua, em situações de vulnerabilidade. “Fiquei seis dias amarrado, comendo pão e água, feito cachorro”, disse. “Um cara me amarrou”, completou.

Procurada pela reportagem, a prefeitura de Salvador não revelou os planos para enfrentar o trabalho infantil durante a Copa nem as medidas voltadas para atender crianças em situação de rua.
Fonte - EBC 07/05/2014

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