quinta-feira, 3 de abril de 2014

Opositores tentam impedir TAV entre Itália e França

Internacional

A construção é o primeiro passo de um túnel de 56 quilômetros numa linha férrea de alta velocidade que ligaria Turim, na Itália, e Lyon, na França. É uma seção do Corredor Mediterrâneo – uma rota trans-europeia de trem indo de Algeciras, na Espanha, a Budapeste, na Hungria – que a Comissão Europeia definiu como prioridade. 

New York Times
Zero Hora
foto - pregopontocom
Para chegar a um túnel atualmente sendo perfurado nos Alpes no noroeste da Itália, os visitantes precisam passar por um posto policial e outro militar. Grandes cercas de arame farpado se espalham pela montanha. Veículos blindados cruzam com jipes em estradas sinuosas cercadas por vinhedos.
Numa região conhecida por vilas pitorescas, esqui na neve e excursões pelos Alpes, o canteiro de obras fortificado é uma justaposição dissonante, traindo a amargura de uma batalha de duas décadas sobre os planos de construir um trem de alta velocidade entre Itália e França.
Ao longo dos anos, a saga da linha de trem foi pontuada por episódios de resistência popular e coloridas manifestações com milhares de pessoas, mas também por embates violentos, atos noturnos de sabotagem e até mesmo acusações de terrorismo.
Os habitantes locais sempre resistiram à ligação ferroviária, temendo danos a aquíferos e uma possível liberação de amianto e materiais radioativos durante a escavação. Questionam também o investimento inicial no projeto, de quase US$12 bilhões.
Mas a localização estratégica do Vale de Susa também deu a seus 90 mil habitantes uma plataforma descomunal no debate cultural e político da Itália sobre equilibrar a identidade do país com a integração europeia, e de forma mais geral, a preservação com o progresso.
Para a Europa, o longo impasse se tornou um grande exemplo do estranho jiu-jitsu na política da União Europeia, onde às vezes pequenos problemas locais ameaçam amarrar as maiores ambições do continente.
— Isso não é por um trem, afirmou Lisa Ariemma, moradora que se opôs ao projeto ferroviário Treno Alta Velocità.
A construção aqui é o primeiro passo de um túnel de 56 quilômetros numa linha férrea de alta velocidade que ligaria Turim, na Itália, e Lyon, na França. É uma seção do Corredor Mediterrâneo – uma rota trans-europeia de trem indo de Algeciras, na Espanha, a Budapeste, na Hungria – que a Comissão Europeia definiu como prioridade.
Mas para alguns moradores, as barricadas — físicas e metafóricas — passaram a refletir suas diferentes visões do desenvolvimento, e até mesmo da democracia, e sua distância dos tomadores de decisão em Roma e Bruxelas.
A questão tem dado força ao Movimento Cinco Estrelas, o partido antielite e antiunião Europeia de Beppe Grillo, que em março foi condenado a quatro meses de prisão por um protesto contra a ligação ferroviária em Chiomonte em 2010.
O partido de Grillo é abertamente contra o projeto, e vários membros foram eleitos para o parlamento aqui e em distritos próximos nas eleições nacionais, no ano passado. Muitos estão aguardando as eleições locais, regionais e europeias, em maio, para medir a popularidade da linha.
Para o governo nacional, conforme afirmou o ministro do transporte e infraestrutura Maurizio Lupi em março, após visitar as obras, o túnel é prova de que o estado existe, e que ele acredita num projeto que vê como fundamental para o desenvolvimento do país e da Europa.
A construção no local começou em 2011, em meio a protestos que culminaram em confrontos violentos. Desde então, grandes trechos da montanha foram fortificados para afastar os manifestantes, atrasando a perfuração até o fim do ano passado.
O longo esforço da resistência não impediu o comprometimento do governo italiano com o plano, apesar das mudanças políticas nos últimos 20 anos – e independente de qual partido estava no poder.
Mas o longo atraso colocou em risco a própria reputação da Itália como uma parceira confiável na Europa. O medo de perder o financiamento europeu, que segundo autoridades italianas deverá cobrir 40 por cento dos custos da linha, finalmente levou o governo a uma ação mais concertada.
Os opositores vêm travando uma resistência em diversas frentes, com desafios judiciais, publicações e sites com o tema "Não ao TAV". Compraram também pequenos trechos de terra ao longo da rota planejada para a linha, esperando dificultar o processo de expropriação. Centenas de manifestantes foram investigados, e alguns, julgados. Quatro jovens estão na cadeia por acusações de terrorismo.
— O movimento 'Não ao TAV' tornou-se radical, atraindo jovens anárquicos e dissidentes, argumentou Stefano Esposito, senador pró-TAV do Partido Democrático que recebeu ameaças de morte e hoje circula com guarda-costas.
Alberto Perino, antigo líder da oposição ao trem que foi condenado ao lado de Grillo, acredita que o sentimento contra o projeto é muito mais amplo.
— Estamos revoltados porque estão realizando o projeto com o nosso dinheiro, contra nós, disse ele. — Muitos locais acham que seus representantes políticos já não representam os interesses dos cidadãos, mas os de bancos e grupos de construção, afirmou ele.
Luca Giunti, um guarda florestal e ativista do 'Não ao TAV', argumenta que o tráfego de passageiros e carga entre Itália e França na velha linha férrea – construída em 1871 – está num declínio constante há anos, e não vê a necessidade de uma nova linha.
— Estamos tendo gastos e danos ambientais em troca de um ganho financeiro incerto. Isso não me parece um bom modelo de negócios, disse ele.
Mesmo reconhecendo que o vale passará por algumas inconveniências, os proponentes do plano dizem que a infraestrutura ferroviária mudou significativamente desde a construção da antiga linha, e que a rota atual é ineficiente – por ter sido construída sobre uma encosta íngreme, e porque o túnel não é largo o suficiente para lidar com o transporte de carga atual.
Gemma Amprino Giorio, prefeita da cidade de Susa, onde será construída uma estação projetada pelo arquiteto japonês Kengo Kuma assim que a linha estiver concluída, vê o trem como um novo sopro de vida na estagnada economia da região.
— Atualmente o vale é um trecho seco. Ter uma estação internacional trará desenvolvimento e um reforço à economia da região, especialmente ao turismo.
Segundo Mario Virano, um especialista contratado pelo governo em 2006 para ajudar a moderar as diversas facções, a questão é muito maior do que o Vale de Susa.
— Não podemos perder a possibilidade do financiamento europeu ou permitir que a França perca o financiamento deles por nossa causa. Se não formos em frente agora que o restante da Europa está trabalhando por uma infraestrutura mais homogênea, será um escândalo não termos feito nada, explicou ele.
Fonte - Revista Ferroviária  03/04/2014

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