sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Enterramento da fiação na cidade: um jogo de empurra?

Poluição visual

Raquel Rolnik

O emaranhado de fios pendurados pelas ruas de nossas cidades não apenas polui a paisagem, como também implica em dificuldades crescentes de manutenção. O enterramento de fios e cabos reduziria drasticamente os problemas causados por chuvas, temporais e quedas de árvores. De acordo com a Eletropaulo, os clientes que dependem de fiação área hoje sofrem de 4 a 5 vezes mais desligamentos que os que contam com fiação enterrada.
Desde 2005, São Paulo tem uma lei (Lei N º 14.023) que obriga concessionárias, empresas estatais e operadoras de serviço a enterrar todo o cabeamento do município, incluindo rede elétrica, telefonia, televisão a cabo e afins. Aprovada em 2006, a regulamentação da lei prevê o enterramento de 250 quilômetros de fios e cabos por ano, o que simplesmente não está sendo feito. Hoje apenas 7% dos nossos cerca de 30 mil quilômetros de fios e cabos estão enterrados. Trata-se de mais uma lei que “não pegou”?
Além de um perímetro importante no centro e de alguns eixos como a Av. Paulista e os corredores da Rebouças, 9 de Julho e Faria Lima – onde a prefeitura investiu no enterramento da fiação quando realizou reformas mais amplas –, algumas ruas comerciais tiveram sua fiação enterrada, a partir de projetos bancados pelos próprios comerciantes, caso da Oscar Freire e da Avanhandava. Mas um programa geral para a cidade, com cronograma e responsabilidades definidos, simplesmente ainda não existe.
Desde janeiro, porém, a prefeitura vem buscando soluções para viabilizar o enterramento dos fios. Para tratar do assunto, foi criada, inclusive, a “Câmara Técnica de Gestão de Redes”, que vem trabalhando na elaboração de um planejamento junto a empresas de eletricidade, telefonia e telecomunicações.
Um estudo encomendado pela AES Eletropaulo e divulgado recentemente estima que o custo para o enterramento integral da fiação da cidade seria de cerca de R$ 50 bilhões de reais. Considerando apenas o centro expandido da capital, este custo ficaria entre R$ 13 e R$ 15 bilhões. O custo médio para enterrar 1 quilômetro quadrado de fiação, segundo o mesmo estudo, é estimado hoje em R$ 5,8 milhões. A principal dificuldade é simplesmente saber quem vai pagar essa conta.
Levando em consideração que a maior parte dos custos (70%) é com obras civis, a prefeitura chegou a propor um modelo de parceria público-privada no qual as empreiteiras arcariam com os custos das obras e depois alugariam as galerias subterrâneas para as concessionárias, como Eletropaulo, Sabesp, Comgás, além de empresas de telecomunicações. O objetivo da prefeitura é ratear os custos de forma a não causar grande impacto nas tarifas para o consumidor, nem onerar apenas os cofres públicos.
No entanto, em audiência pública convocada pela Procuradoria da República em maio, o vice-presidente de operações da AES Eletropaulo, Sidney Simonaggio, adotou a postura de se desresponsabilizar da questão: "Eu preciso desse custo [de enterrar os fios] para distribuir energia? Não. Consigo distribuir de forma aérea. Portanto não é um custo de distribuição, é um custo de urbanismo". A empresa está claramente tratando a questão como se não tivesse nada a ver com o assunto. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Anel), também presente na audiência, adotou a mesma linha, como se as empresas de distribuição de energia (e de outros serviços públicos, aliás) não tivessem nenhuma responsabilidade com a cidade.
A proposta da Eletropaulo hoje é que sejam repassados ao consumidor 20% do valor do investimento, através de um aumento de 5% a 10% na tarifa ao longo da execução das obras, que pode levar até 15 anos. Os demais 80% seriam bancados por isenção fiscal e parcerias público-privadas.
É absolutamente necessário encontrar uma equação justa. E aqueles que se beneficiam economicamente do sistema – como a AES Eletropaulo, que vai reduzir seus custos de manutenção, já que o número de desligamentos será muito menor – precisam também investir no sistema. Essa conta não pode ser simplesmente repassada ao consumidor e ao poder público.
Na minha opinião, o pressuposto pra fechar essa equação deve ser: quem usa o espaço público pra explorar uma atividade comercial lucrativa é responsável, sim, pela qualidade desse espaço. Participar desse investimento não seria nenhum favor da Eletropaulo pra cidade.
No fim das contas, nesse jogo de empurra, todo mundo diz que quer fazer, mas ninguém quer pagar a conta.

Texto originalmente publicado no Yahoo!Blogs.
Raquel Rolnik é urbanista e relatora da ONU pelo direito à moradia

Fonte - Luis Nassif Online  07/11/2013

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