domingo, 28 de outubro de 2012

Livro de arquiteto resgata a antiga Salvador

Marcos Dias

Foto divulgação
Imagens de Salvador ilustram o livro de Isaias de Carvalho Neto

Para o arquiteto e urbanista Isaias de Carvalho Santos Neto, 70 anos, o futuro prefeito de Salvador vai ter que lidar com três cidades: a cidade real, a cidade legal e a cidade do arbítrio. Mas a impressão de "abandono absoluto" da capital da Bahia, para ele, passa também por questões elementares, como o lixo mal recolhido, calçadas malcuidadas, caminhões de verduras descarregando a qualquer hora ou semáforos sem manutenção.O urbanista não considera, por exemplo, que Salvador seja um aglomerado urbano, já que não tem uma rede de transportes eficiente. "Transporte coletivo em Salvador é condição prioritária para que esta cidade volte a ser civilizada", afirma.
Com um rigor afetivo e uma memória que funde aspectos biográficos e pesquisa histórica, Isaias lança na próxima quarta-feira, às 19 horas, no Teatro Castro Alves, o livro Memória Urbana - Poética para uma Cidade (Edufba), no projeto Conversas Plugadas.
Professor aposentado da Universidade Federal da Bahia, Isaias dedicou-se à vida acadêmica por 35 anos. Mas, ao escrever este livro, a partir de 2008, foi além das limitações do discurso científico. Não deixou que fatos atuais se tornassem do passado para ser tratados, e preferiu uma narrativa usando a primeira pessoa do singular.
Além de estudos clássicos e contemporâneos, ele se vale do que ouviu do pai e do que leu nos diários da mãe. O desafio foi mostrar, numa interpretação potente, as mudanças na cidade entre os anos 1910 a 1970. "Salvador é uma cidade que privilegia o individual, isso não era assim nos anos 1950. A dor que eu tenho é que eu nasci numa época em que o coletivo era predominante", diz ele.
Nos anos 1970, de acordo com o arquiteto, o centro urbano foi descaracterizado, movido por interesses que não consideraram o aspecto da vivência coletiva. "A cidade não foi preparada convenientemente para esta mudança dos anos 1970. É preciso manter nesta cidade alguns elementos que são característicos", defende.
Para ele, a recuperação do centro é mais do que uma questão poética ou administrativa: "É o único lugar em que todas as pessoas podem ir, já que um bairro é, por definição, lugar de iguais e semelhantes. O centro é o único local em que você vai encontrar o diferente". Mas isso só pode acontecer, ele sabe, com a garantia de acessibilidade e a segurança.
Gestão - Entre as questões que o livro trata, e que a futura gestão de Salvador tem que lidar, há três que ele considera fundamentais. Em primeiro lugar, que trata-se de uma cidade de migrantes, de diferentes, começando pela questão étnica. "Enquanto essa diferença não for trabalhada, acho difícil as coisas acontecerem. Não existe uma música, nem teatro ou dinastia preponderantes, a característica é ser autônoma".
Em segundo lugar, ele enfatiza que a modernidade baiana é cultural (e não viária ou arquitetônica), e se deu nos anos 1950. Foi resultante dos pioneiros cursos de Artes da Ufba e projetos como a Escola Parque, Hora da Criança, a construção do TCA, entre outros.
E, por fim, o que considera um "problema gravíssimo", é a convivência de três cidades numa só. A "cidade real" é uma cidade clandestina e alheia ao que acontece: "70% dela não tem planta aprovada na prefeitura e não existe legalmente". Já a "cidade legal", fruto de planejamento organizado (como a avenida Manoel Dias, na Pituba), desenvolvida por técnicos, não consegue resolver as questões porque esbarra no que ele chama de "cidade do arbítrio".
É aquela em que "há uma legislação que privilegia uma decisão de gabinete, que destrói a harmonia que a cidade tem". Como exemplos, ele cita o que aconteceu com a área da Associação Atlética e o Morro Ipiranga, na Barra, "mediante Planos Diretores aprovados sem grande discussão, mas por decisões políticas". E reconhece: "É difícil, mas isso tem que ser resolvido urgentemente".
Rumos - Flutuando entre um saber da cidade e sua memória afetiva, o texto de Isaias Neto recupera uma ideia de convivência pública ao mesmo tempo que questiona os rumos dos soteropolitanos. Às muitas imagens ao longo do livro (além de sua mãe, quatro tios fotografavam), somam-se lembranças com contornos bem nítidos.
Desfilam nas décadas que o livro trata, além de contextos políticos de todas as décadas, reminiscências de quando saiu do "subúrbio" do Acupe, em Salvador, aos sete anos , para ir morar no centro de Ilhéus, no apogeu do cacau.
Também estão lá o aniversário dos 400 anos da cidade; a destruição de bondes pela população em 1930; as comemorações do 2 de Julho; os jogos da Copa de 1950 que Salvador não pôde sediar, pois a Fonte Nova não ficou pronta a tempo; o footing na rua Chile; os abrigos de bondes; o clima na Faculdade de Arquitetura e a impressão dos filmes em cinemas como o Tamoio e o Guarani.
O tempo e energia gastos nesta construção narrativa, o autor justificou no texto: "Há certos momentos em que cabe a nós darmos significado à vida, em lugar da vida datada e definida referenciada ao ontem e ao amanhã, para dar sentido aos nossos atos. A arquitetura é um desses momentos".
Fonte - A Tarde 27/10/2012

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